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Abandonada, Cinemateca corre risco de fechar. Trabalhadores se mobilizam

Sem repasse de verbas do governo federal, Cinemateca Brasileira já perdeu sua brigada de incêndio. Trabalhadores estão há três meses sem salários

trabalhadores da cinemateca/Projeções por @fluxus_
trabalhadores da cinemateca/Projeções por @fluxus_
Cineastas e profissionais do audiovisual mobilizados em defesa da Cinemateca Brasileira

São Paulo – O funcionamento da Cinemateca Brasileira está sob risco. Funcionários sem salários há três meses pedem socorro. Mesmo o fornecimento de luz está prestes a ser cortado. Nesta semana, a instituição perdeu sua brigada de incêndio e deve perder os seguranças nos próximos dias. O local, que preserva 120 anos de história e a identidade brasileira em acervo audiovisual, não recebe verbas do governo Bolsonaro desde o fim do ano passado.

Em meio às ameaças, os trabalhadores e profissionais do cinema e do audiovisual realizaram ontem (14) um ato simbólico em frente ao local. A Cinemateca tem sede na Vila Clementino, bairro da zona sul de São Paulo. Com respeito ao isolamento social necessário em tempos de pandemia de covid-19, manifestantes fizeram um “abraço” à instituição.

Entre os riscos, chamam a atenção os perigos de incêndio. A entidade trata de materiais sensíveis. Sem refrigeração adequada, uma tragédia para a memória brasileira, aos moldes do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, assusta a comunidade. “Para manter a sobrevivência dessas imagens, a Cinemateca precisa de seus funcionários, precisa da energia elétrica para manter os negativos, os nitratos, que entram em combustão muito rápido”, afirma a cineasta Tata Amaral.

A missão

Tata esteve no local para o ato e chama a atenção para a importante missão da instituição. “A Cinemateca é da maior importância para a cultura brasileira, para a sociedade brasileira. Ela não só preserva, guarda e armazena as imagens da nossa sociedade desde o final do século 19 até os dias de hoje, como também tem como missão manter a integridade”, diz.

Outra grande missão da Cinemateca, alerta a cineasta, é de ativar o acervo. “Para que as imagens dos filmes estejam na imaginação e no coração das pessoas. Além disso, recuperar imagens para que elas possam voltar a serem vistas. Tornar seu acervo acessível; seja por um catálogo, um índex mantido e atualizado, seja com digitalização permanente das imagens.”

Por fim, a cineasta lembra que o direito à identidade e à memória independem da orientação política de quem está no poder. “É um direito dos cidadãos, fundamental a preservação da Cinemateca. É um direito da sociedade e um dever de qualquer governo de zelar pelo patrimônio público.”

Sequência de erros

Após iniciar um movimento grevista no dia 12 de junho, os trabalhadores da Cinemateca passaram a se articular de maneira mais intensiva, e denunciar o descaso com a instituição. Agora, o estado de greve será mantido por tempo indeterminado, até que mínimas condições sejam garantidas.

Ataques à Cinemateca começaram no fim de 2019. Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, rompeu o contrato da instituição, com a fundação Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) e o governo. A entidade administrava a autarquia ligada à pasta. O governo usou argumentos considerados de caráter ideológico, como “combate à doutrinação e ao marxismo cultural”, entre outros. 

De lá para cá, os repasses do ministério deixaram de ser realizados. A Acerp reclama de uma dívida de R$ 13 milhões com o Ministério da Educação. A verba não teria sido repassada à fundação para arcar com serviços básicos, como pagamento de funcionários e, até mesmo, manutenção predial.

Carta

O coletivo dos trabalhadores da cinemateca elaborou uma carta, um pedido de socorro. “O início do mês de julho de 2020 marca para nós, equipe técnica da Cinemateca Brasileira, o terceiro mês sem o recebimento de nossos salários e benefícios”, argumentam.

Confira a íntegra do texto:

O início do mês de julho de 2020 marca para nós, equipe técnica da Cinemateca Brasileira, o terceiro mês sem o recebimento de nossos salários e benefícios.

Durante esse período, cumprimos todos nossos compromissos trabalhistas, com exceção dos dois períodos em que estivemos em greve por tempo determinado – dia 12/06 e entre os dias 18/06 a 26/06. Em vão, tentamos nessas paralisações anteriores, um diálogo com a Diretoria da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), Organização Social gestora da Cinemateca Brasileira e da TV Escola. Os pedidos por respostas ou um plano de resolução para o imbróglio que se estende infelizmente não foram atendidos.

Além dos salários e das contas de água e luz atrasadas há 3 meses, a Cinemateca Brasileira começou recentemente a perder seus funcionários terceirizados, igualmente fundamentais para a manutenção do acervo e do espaço físico. As equipes de manutenção elétrica e climatização não mais dão suporte à Cinemateca Brasileira desde o dia 10/06. Os bombeiros, desde o dia 25/06.

Na próxima semana, as equipes já extremamente reduzidas de limpeza e segurança, sob aviso prévio, podem seguir o mesmo caminho, deixando a Cinemateca esvaziada, sem um corpo de funcionários mínimo que garanta sua correta salvaguarda. Aumentam-se, assim, os riscos de uma grande tragédia, fato que inclusive já vem sendo bastante noticiado pela mídia brasileira.

Diante desse quadro alarmante, iniciamos agora uma nova greve, dessa vez por tempo indeterminado a partir de hoje, dia 07 de julho de 2020. Seguimos mobilizados exigindo o pagamento dos salários devidos, um planejamento com estabelecimento de datas para a solução dos problemas pela Acerp, e que seu diretor-geral, Francisco Câmpera, se apresente para uma reunião com os trabalhadores e seu sindicato.

Reiteramos a necessidade de responsabilizarmos o Estado pela manutenção da Cinemateca, e não seus trabalhadores individualmente, e seguimos na luta pela sobrevivência financeira de nossas famílias e pela memória do audiovisual brasileiro.

Sem salário, sem trabalho.