identidade e memória

Sem salários há dois meses, trabalhadores da Cinemateca fazem greve de 24 horas

Paralisação chama a atenção para sucateamento da instituição pelo governo Bolsonaro

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O projeto itinerante pelo país visa resgatar o valor do audiovisual na memória dos brasileiros e destacar o papel fundamental da Cinemateca na preservação da história do país

São Paulo – Os trabalhadores da Cinemateca, TV Escola e TV Ines anunciaram, para sexta-feira (12), paralisação das atividades por 24 horas . Em assembleia unificada, os servidores – profissionais de diferentes áreas de atuação – decidiram pela mobilização para chamar a atenção da sociedade sobre os atrasos nos salários, a deterioração das condições de trabalho e a constante ameaça de demissões. As três instituições estão sob comando do ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Os ataques à Cinemateca começaram no fim do ano passado. Weintraub rompeu, unilateralmente, o contrato da instituição com a fundação Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que administrava as autarquias, com argumentos considerados de caráter ideológico, como “combate à doutrinação e ao marxismo cultural”, entre outros. O ministro chegou a expulsar trabalhadores da Acerp da sede do ministério.

Dívida

A situação da Cinemateca é cada vez mais delicada. A Acerp cobra uma dívida de R$ 13 milhões com o Ministério da Educação,. A verba não teria sido repassada à fundação para arcar com serviços prestados pelas autarquias.

Como resultado prático, cerca de 300 funcionários estão há dois meses sem salário, como explica, em nota, o coletivo dos trabalhadores: “Funcionários estão com dois meses de salários, notas de prestação de serviços atrasadas, e três meses sem os benefícios essenciais como vales refeição e alimentação. Não há, inclusive, dinheiro para a rescisão dos trabalhadores, tampouco houve o recolhimento do FGTS dos trabalhadores desde março deste ano”.

A solução para os problemas envolvendo a relação entre a fundação, a Cinemateca e o governo federal tende a ser judicializada. “A situação colocada hoje é fruto de uma política do Estado para terceirizar e privatizar os serviços públicos, postura de longa data de autoridades públicas que, cada vez mais, não se responsabilizam pela administração de seus órgãos. Uma prática aberta a administrações nada transparentes, com interferências políticas duvidosas para atender interesses de ocasião. A ACERP, uma organização social vinculada ao Ministério da Educação para a gestão da TV Escola, ganhou a licitação para gerir a Cinemateca Brasileira, assinando em 2018 um termo aditivo ao Contrato de Gestão da emissora, que envolveu também o hoje extinto Ministério da Cultura”, explicam os trabalhadores.

“No final de 2019, o vínculo da ACERP para gerir a TV Escola foi encerrado bruscamente pelo Ministério da Educação. Assim, o termo aditivo da Cinemateca Brasileira também se extinguiu e a ACERP afirma estar tentando, desde então, reestabelecer um repasse do Governo Federal para a continuidade da instituição”, completam.

A Cinemateca

A Cinemateca Brasileira nasce na década de 1940, a partir de cineclubes da sociedade civil e tem sua história ligada à resistência democrática e valorização do audiovisual brasileiro. São mais de 120 anos de história documentados e preservados pelos trabalhadores. Além do trabalho de memória, a Cinemateca funciona como divulgador da identidade brasileira.

O governo Bolsonaro anunciou recentemente a atriz Regina Duarte para o comando da Cinemateca, após retirá-la do cargo de secretária de Cultura, o que ainda não se concretizou.

Responsabilidade

Mesmo sem salários e até vale-refeição, os trabalhadores da Cinemateca seguem em suas atividades diárias, apesar de o país ser o atual epicentro mundial da pandemia do novo coronavírus. “Mesmo com mais de dois meses sem receber os nossos vencimentos, até o momento, trabalhamos dentro do possível, e no meio da maior crise sanitária e econômica dos últimos anos, para manter as mínimas condições de preservação, pesquisa e difusão do acervo da Cinemateca Brasileira.”

O coletivo se organiza para tentar levantar um financiamento coletivo a fim de manter o mínimo das atividades das instituições. “Decidimos realizar a campanha pública para amenizar os efeitos dessa situação que não tem perspectiva de se resolver até o momento. Na Cinemateca Brasileira somos 62 trabalhadores contratados diretamente pela ACERP, entre CLT’s e PJ’s, e 93 trabalhadores de empresas terceirizadas – colegas estes que, por ora, ainda recebem os seus vencimentos.”

“Para realizar a arrecadação e fazer a redistribuição das doações, partimos de um formulário preenchido pelos 62 trabalhadores, diretamente contratados pela ACERP, e trabalhadores que dependem da programação que ocorre na Cinemateca para terem alguma renda. A coleta dessas informações possibilitou dimensionar uma quantia para as urgências, estabelecer prioridades e prever suporte para esses trabalhadores correspondente aos meses não recebidos.

A campanha dos trabalhadores por uma renda emergencial contabiliza cerca de R$43 mil arrecadados até o fechamento desta nota.

Edição Fábio M Michel