Vida e arte

Na pequena Caieiras, arte urbana pode ganhar status de política pública

Cidade na região metropolitana de São Paulo discutirá projeto que propõe estimular o turismo social e a educação por meio do graffiti e da arte de rua

TAMIRES SANTANA

A obra dos artistas Bonga Mac e Dário Gordon é uma das tantas que colorem a cidade de Caieiras

São Paulo – Dois anos depois do ex-prefeito João Doria iniciar seu mandato na capital paulista apagando grafites de uma famosa avenida da cidade, o município de Caieiras, na região metropolitana de São Paulo, pode dar o exemplo inverso. Nesta quarta-feira (27) será votado um projeto de lei, de autoria do vereador Fabrício Calandrini (PMDB), que visa incentivar e regularizar o uso do espaço público pela arte urbana. Em 2018, a cidade foi sede de um Festival Internacional de grafite.

Segundo o parlamentar, a ideia é dar legitimidade a um movimento de “bastante expressão social”. O projeto propõe incluir o grafite e outras formas de arte urbana no calendário oficial de eventos de Caieiras, além de regulamentar a utilização de muros, viadutos e equipamentos públicos para a expressão da arte urbana de interesse artístico-social.

“Além da liberação de murais e equipamentos públicos para a expressão de artes visuais, o poder público tem como objetivo orientar, fomentar e fazer acompanhamento urbanístico, ambiental e social da cidade que também irão contribuir com o desenvolvimento turístico e social. É de grande importância o poder público promover a mudança da realidade visual da cidade, das pessoas que frequentam e das que aqui vivem, gerando medidas de sensibilização e conscientização, estimulando ações educativas através de oficinas e das expressões artísticas nos murais”, explica o vereador Fabrício Calandrini. “Acredito na cultura e na promoção dos artistas dentro da arte urbana como transformadores, tanto de pessoas como de apropriação de espaços públicos.”

Divulgação/Prefeitura de CaieirasBonga Mac graffiti
Tamires Santana e Bonga Mac, na abertura do Festival Internacional de Graffiti, em Caieiras, em 2018

Reconhecimento

Morador da cidade, o educador e renomado grafiteiro Bonga Mac já atuou em oficinas e projetos de grafite em Caieiras quando Calandrini foi secretário de Cultura do município. A relação entre os dois e a visão de transformar o espaço urbano por meio da arte está por trás do projeto elaborado.

“É um caminho para mostrar que esse segmento, antes discriminado, também pode gerar emprego e renda, e turismo cultural. Caieiras tem tudo para ser um polo neste sentido”, afirma Bonga Mac. Para ele, a cidade tem uma cena artística ainda pequena, embrionária, mas com grande potencial de crescimento. Com as devidas proporções, o artista cita o exemplo de Miami, nos Estados Unidos, onde uma determinada região da cidade que era abandonada e degradada transformou-se, com apoio do governo local e de empresários, num grande museu de arte urbana a céu aberto, hoje referência internacional.

No Brasil, os ventos atualmente são favoráveis. Seguindo um movimento que acontece em outros países e cidades, como o de Miami e o que consagrou o famoso grafiteiro inglês Banks, artistas brasileiros passaram a obter, nos últimos anos, fama e reconhecimento por seus grafites. Nomes como os dos irmãos Os Gêmeos e Cobra, apenas para citar dois, hoje rodam o mundo para deixar seus desenhos em locais públicos ou privados. Das ruas, o grafite também chegou nas galerias de arte dos Estados Unidos e da Europa, e no Brasil segue a mesma tendência. Para Bonga Mac, a arte urbana conquistou esse espaço.

“O grafite é um processo efêmero. Apoiando ou não, legal ou ilegal, ele continua sendo feito. Hoje há uma super expansão dele pelo processo natural e maturidade dos artistas”, pondera. Sem pestanejar, Bonga diz que o Brasil se tornou “uma meca” da arte de rua, embora isto não signifique ausência de questionamentos.

“Antes tinham pessoas perseguidas, obras apagadas e isso vai continuar acontecendo. Há entendimentos diferentes do que é bonito. A arte não nasceu para ser agradável, ela está ali para se expressar. A gente conquistou esse espaço, nada foi ganho, foi mostrado profissionalmente e isso ganhou respeito, não veio de graça”, afirma Bonga Mac.

Tamires SantanaBonga
O projeto de lei propõe usar o graffiti e a arte de rua como valor cultural e ferramenta de educação

Pessoas

Jornalista e design, Tamires Santana auxiliou a equipe do vereador Fabrício Calandrini a formatar o projeto, participando principalmente das questões envolvendo a arte urbana como estímulo à educação e ao turismo social. Entusiasta do tema, ela conta que a linguagem da arte urbana já flui na cidade há algum tempo e o objetivo agora é propiciar um ambiente mais acolhedor para seu desenvolvimento.

Enquanto reconhece o caráter inovador da proposta, Tamires também destaca que não basta o projeto ser aprovado na Câmara: ele só dará certo se as pessoas “comprarem” a ideia. “Uma lei é sempre um papel. Quem tira do papel é a população e o poder público. Só vai dar certo se as pessoas aderirem, os artistas e os educadores culturais irem atrás e fazerem acontecer. As pessoas precisam se apropriar. A gente trabalha com vida, emoções, é uma conquista coletiva”, enfatiza a jornalista.

Entre os diferenciais da proposta, Tamires Santana enfatiza o modelo de acolhimento do artista por parte do poder público, com acompanhamento, auxílio para a destinação correta dos materiais e a orientação para a não propagação de mensagens violentas ou preconceituosas. Ela ainda destaca o olhar de respeito com a arte e o estímulo a participação popular, incluindo até mesmo o ensino artístico nas escolas.   

“Claro que o grafite tem uma validade, mas o mais interessante é o estímulo a esse olhar. É uma nova geração e não podemos ficar para trás…vamos tratar essa arte como um bem cultural”, afirma Tamires, que se diz confiante na aprovação do projeto que irá à votação nesta quarta-feira (27), às 19h, na Câmara Municipal de Caieiras.