Empresa de Limeira onde morreu trabalhador recusa ajuda a funcionários intoxicados

Em agosto, um funcionário morreu por intoxicação química em Limeira. Empresário não oferecia treinamento nem condições de segurança no local de trabalho

Um trabalhador foi designado pelo empresário Luis Milare e seu encarregado Alex Sandro da Silva Oliveira para limpar um dos tanques por onde passava o esgoto industrial da empresa (Foto: Gerardo Lazzari)

São Paulo – Passados mais de três meses do acidente que causou a morte de Guilherme Ragonha por intoxicação, a empresa Millón, fabricante de semijoias, não ofereceu nenhum tipo de indenização ou acompanhamento médico aos outros funcionários envolvidos no acidente, que aconteceu em 5 de agosto em Limeira (SP), 150 quilômetros da capital. Um trabalhador foi designado pelo empresário Luis Milare e seu encarregado Alex Sandro da Silva Oliveira para limpar um dos tanques por onde passava o esgoto industrial da empresa, formado por produtos químicos utilizados no banho das joias.

Além de Guilherme, que veio a óbito, outros quatro trabalhadores apresentaram princípio de intoxicação e tiveram de ser hospitalizados no dia. Allan Nogueira deixou a empresa e conta que os patrões se negam a pagar indenização pelo acidente. “Eles queriam que eu trabalhasse lá, e eu disse que não, que não ia trabalhar num lugar em que aconteceu aquilo. Disseram para mim que era só acidente, e que isso acontece. Falaram que só iam dar acompanhamento médico caso eu ficasse na empresa. Fiquei psicologicamente abalado”, lamentou. Allan conta que foi ao médico somente uma vez após o ocorrido.

Ele estava pouco mais de um mês na empresa quando foi escalado para limpar o tanque e relata que tanto ele quanto Guilherme não eram registrados e não receberam orientação sobre os riscos daquela tarefa. “Eu não era registrado. Só depois do acidente pediram minha carteira. Em nenhum momento deram treinamento, simplesmente nos deram máscara cirúrgica, botas de borracha e luvas de PVC”, relatou.

Allan conta que Guilherme já havia participado da limpeza do outro tanque, duas semanas antes, e apresentado alguns sintomas de intoxicação. “A esposa dele disse que o Guilherme já tinha passado mal. Ele chegou a sangrar pelo nariz, e não foi para o hospital. Os produtos químicos ficaram na pele dele”, disse. O funcionário chegou a pedir uma escada para descer no tanque aterrado de 2 metros e meio de altura, mas o empresário Luis Milare não permitiu, com medo de que a escada pudesse danificar o tanque.

Já dentro do tanque, Allan começou a se movimentar e percebeu a formação de um gás, sentiu falta de ar, mas não conseguiu sair. “Começou a subir um cheiro forte e foi por Deus mesmo que fiz força para sair. Nisso o Vandernei (que também se envolveu no acidente) tentou me segurar, mas a luva dele estava escorregadia demais”. Então, neste momento, Allan perdeu a consciência.

Contradição

O funcionário Vandernei Barros entrou no tanque para retirar Guilherme, que foi puxado pela funcionária Débora Miriam Rodrigues, que estava do lado de fora. Ela foi entrevistada na porta de sua casa no Jardim Simoneti, ao lado de sua mãe. O relato dado por ela trouxe contradições em relação ao depoimento que ela mesma deu no dia 11/06 aos técnicos do programa de saúde do trabalhador de Limeira, onde relata que Guilherme entrou no tanque para resgatar Vandernei e então desmaiou, sendo a terceira pessoa a se envolver no acidente.

O encarregado Alex Sandro de Oliveira teria tentado resgatar Guilherme sem sucesso. Alex foi retirado inconsciente do tanque, mas Guilherme ficou. Já durante a entrevista realizada no dia 28 de novembro, Débora afirma que Guilherme foi o último a entrar no tanque. “Não tinha como outra pessoa entrar, porque todos que tentavam ajudar desmaiavam. O Guilherme já sabia que se ele entrasse, ia ficar lá”, disse. Foi Débora quem ajudou a reanimar os funcionários retirados inconscientes de dentro do tanque.

“Ele estava com química na boca e nos olhos, parecia morto. Do jeito que ele caiu, ficou no tanque”, lamentou. Apesar de ainda trabalhar na Millón, Débora não passa por qualquer forma de acompanhamento médico. Quando a reportagem da Rádio Brasil Atual questiona se Débora apresenta algum sintoma após o ocorrido, sua mãe intervém. Rosa Lídia Rodrigues afirma que a saúde da filha não voltou ao normal após o acidente. “Ela reclamava de dor na barriga, e ia no médico e voltava toda hora”, contou.

Foi Débora quem prestou cuidados de primeiros-socorros aos outros três funcionários envolvidos no acidente. No caso de Guilherme, depois de ele cair no tanque, não foi possível retirá-lo, por isso sequer houve oportunidade para tentar reanimá-lo. Débora trabalha há mais de um ano na Millón e depende do salário para cuidar dos dois filhos. A empresa foi reaberta em um novo endereço dois meses após a morte de Guilherme.