Governo Zema

Concessões de estradas mineiras têm denúncias, pedágio caro e poucas melhorias

Ministério Público diz que houve favorecimento a empresa e considera preços abusivos. Na Assembleia, deputado Professor Cleiton (PV) articula CPI

Ação Popular/TJMG
Ação Popular/TJMG
Trecho da CMG 462, entre Patrocínio e Perdizes, no Triângulo Mineiro

*Por Fernando Augusto Pinto

São Paulo – Ações judiciais, protestos de entidades da sociedade civil, longas filas, motoristas irritados e até buzinaço. Esse é o resultado das concessões de rodovias feitas pelo governo Romeu Zema (NOVO) em Minas Gerais, eleito com plataforma ultraliberal que prevê privatizações em diversos setores da economia.

A entrega do controle de estradas para a iniciativa privada está agora na mira do Ministério Público Federal, do Ministério Público de Minas Gerais e também de deputados da Assembleia Legislativa do Estado (ALMG), que estão perto de instalar uma Comissão de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias.

A reportagem da Rede Brasil Atual teve acesso a duas Ações Civis Públicas e uma Ação Popular, movidas contra a concessionária EPR, executivos da empresa, servidores públicos e o ex-secretário de Infraestrutura e Mobilidade do governo Zema, Fernando Marcato. O alvo, por enquanto, é a EPR Triângulo, que obteve concessões na região do Triângulo Mineiro, como as BR-365 e 462, que ligam importantes municípios, como Uberlândia, Araxá e Patrocínio.

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A ação mais recente, ajuizada no dia 8 de abril, pede que a justiça declare a nulidade do contrato firmado entre o estado e a EPR, a suspensão na cobrança do pedágio, além da condenação de executivos, do ex-secretário e servidores que participaram da licitação, por crimes contra a administração pública.

“Foi implantado na região do Triângulo Mineiro um sistema de cobrança de tarifas que não existe em qualquer outra parte do território nacional. Basta ver que, desde outubro de 2023, foram implantadas oito praças de pedágio que iniciaram a cobrança com um único valor de R$12,70 por eixo. A despeito de o valor cobrado ser um dos mais caros no Brasil, se não o mais caro, nenhum serviço de recuperação da rodovia foi realizado. Este ponto é fundamental para corroborar com a avaliação que, apesar da tarifa básica do preço médio do pedágio para um carro de passeio ser de R$ 6,64 no Brasil, a tarifa básica praticada por esta concessionária é de R$ 12,70, o que representa uma tarifa básica 47,71% superior ao praticado no país, com o agravante de possuir um contrato com um nível de investimento baixíssimo”, diz a ação, assinada pelo promotor Fernando Rodrigues Martins e pelo procurador da República Cléber Eustáquio Neves.

“Podemos detectar nesse contrato que a taxa de retorno ao concessionário é sobremaneira elevada, criando um verdadeiro descompasso entre o lucro auferido pela empresa e os investimentos ofertados. O resultado é que o usuário não receberá uma rodovia que lhe ofereça mais segurança”, completam.

Por isso, a ação pede que a cobrança de pedágio seja suspensa até que se julgue a nulidade do contrato de concessão, ou que, pelo menos, seja reduzida para R$ 5,30, valor já cobrado em outros trechos na mesma região.

Suposto favorecimento

Mas o Ministério Público não para por aí. A ação também sustenta que a escolha da EPR, única empresa a participar da licitação do lote de rodovias, teria sido direcionada pelo governo do estado. Isso porque o leilão, que ocorreria na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, em 8 de agosto de 2022, teve o local mudado em cima da hora, mas, segundo o MP, sem a devida transparência.

Fernando Scharlack Marcato, ex-secretário de Estado de Infraestrutura e Mobilidade. Foto: Clarissa Barçante

“Na data marcada para o leilão, a pessoa do então Secretário de Infraestrutura do Estado de Minas Gerais, ora requerido Fernando Marcato, compareceu nas dependências da B3 S/A e retirou a documentação do leilão, colocando-a debaixo do braço, de lá saindo para o escritório da Procuradoria do Estado de Minas Gerais no município de São Paulo, onde finalizou o certame com a única empresa que teve conhecimento da alteração, sem qualquer participação e conhecimento dos prepostos da B3”, dizem os promotores.

O deputado estadual Professor Cleiton (PV), principal articulador de uma CPI na ALMG para investigar as concessões, também acusa o ex-secretário. “É bom lembrar que a EPR tem como principal acionista o BTG Pactual, que é um grupo muito poderoso. Junto a isso, o fato do Marcato ter sido responsável por todo o processo de condução do processo de licitação e depois ele sai do governo do estado e se transforma no principal consultor dessas concessionárias”, acusou, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Marcato deixou o governo Zema em fevereiro de 2023 e tem escritório de advocacia na capital paulista. Ele, servidores que participaram da licitação e a EPR já são réus no processo e vão apresentar defesa. O juiz, até o momento, determinou apenas a realização de uma perícia contábil e não suspendeu a cobrança do pedágio.

Ao jornal O Tempo, Marcato negou qualquer irregularidade. “As propostas não foram entregues nesse dia que mudamos o local. Foram entregues cinco dias antes. Só uma foi entregue. O que a gente faria na Ibovespa era simplesmente abrir um envelope. Se tivessem duas ou mais propostas, faríamos o leilão. Era só um rito formal”, afirmou.

Já a Secretaria de Infraestrutura, em nota, sustenta que “o processo licitatório transcorreu de forma transparente e seguindo todos os ritos legais, em especial aos princípios da isonomia e da competitividade, objetivando a ampla concorrência e a seleção da melhor proposta para a Administração Pública”.

Também tramita uma Ação Popular dos deputados estaduais Maria Clara Marra (PSDB) e Rodrigo Lopes (UNIÃO), com o mesmo teor, e outra Ação Civil Pública, o que demonstra que mesmo deputados aliados do governo do estado questionam os pedágios.

Deputado também quer investigação das concessões no Sul de Minas

Elizabete Guimarães
Professor Cleiton quer CPI para investigar concessões do governo Romeu Zema. Foto: Elizabete Guimarães

Outra região do estado que já teve rodovias entregues à iniciativa privada foi o Sul. São oito praças de pedágio, com taxa de R$ 9,20 para automóveis de passeio, em rodovias como a BR-459, em Santa Rita do Sapucaí, cidade pólo tecnológico, e a CMG-146, na turística Poços de Caldas.

Em outubro do ano passado, quando começou a cobrança, longas filas se formaram e motoristas chegaram a descer dos carros e também promoveram um buzinaço em protesto.

O deputado estadual Professor Cleiton diz que já protocolou um requerimento no Ministério Público Federal para que as concessões da EPR Sul de Minas também sejam investigadas. O principal foco é a falta de audiências públicas. “Uma das exigências era a realização de audiências públicas para conversar com a sociedade civil nas regiões atingidas pelas praças de pedágio, o que não ocorreu. Pelo contrário, foram selecionados os convidados para as audiências. Em Varginha, por exemplo, a audiência contou com nove pessoas e nós descobrimos que a Câmara de Vereadores, por exemplo, não foi convidada”, disse.

Em Varginha, inclusive, já há movimentação da Câmara e da sociedade civil para tentar ao menos reduzir o valor do pedágio que está sendo construído na MGC-491, que liga o município de 136 mil habitantes à rodovia Fernão Dias (SP X BH). A previsão é de tarifa de R$ 13.

Associações de empresários, sindicatos de trabalhadores e patronais e a prefeitura enviaram no último dia 10 um requerimento ao governador Romeu Zema para pedir a redução do valor. O documento lembra que Varginha é cidade pólo na região, sendo referência em educação e saúde. Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, foi a cidade que mais exportou café no país em 2023, totalizando US$ 1,5 bilhão exportados.

“Nós temos uma grande preocupação, porque você anda poucos quilômetros e está na [rodovia] Fernão Dias. Então, é muito mais vantajoso hoje uma empresa se retirar de Varginha e mudar, por exemplo, para Três Corações, onde terá capacidade de escoamento da produção sem ter que pagar um pedágio com esse preço abusivo. Fora que a cidade [de Varginha] vai ficar praticamente ilhada”, lamentou o deputado Professor Cleiton.