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Urbanistas cobram Haddad por instrumentos que garantam aplicação do Plano Diretor

Durante reunião do Conselho da Cidade, prefeito recebe carta com cobranças e afirma que vai avaliar possibilidade de contemplar as reivindicações no texto da proposta que será encaminhada à Câmara

Cesar Ogata/SECOM

O prefeito prometeu avaliar as propostas dos urbanistas para efetivar os instrumentos do plano

São Paulo – Um grupo de 40 arquitetos urbanistas entregou ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), um manifesto cobrando a criação de instrumentos que garantam a efetiva aplicação do Plano Diretor Estratégico, sobretudo no que diz respeito à construção de habitações de interesse social em áreas centrais da cidade. “O plano deve definir sanções para aqueles que não o cumprirem”, defendem os profissionais, em referência às gestões de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), que ignoraram as diretrizes do plano no período de 2004 a 2012.

Representados pela professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Karina Leitão, os signatários da carta questionaram “para que serve o plano se ninguém o respeitar?”. O documento foi apresentado na reunião de hoje (26) do Conselho da Cidade para debater a minuta do plano, na Praça das Artes, centro da cidade. O plano foi apresentado pelo prefeito no último dia 19.

“O plano apresentado pela prefeitura traz questões importantes como a prioridade ao transporte público e o equilíbrio entre oferta de trabalho e local de moradia. No entanto, não aparecem no plano os instrumentos que garantiriam o acesso da população mais pobre às áreas adensadas ao longo dos corredores de transporte. Áreas que provavelmente serão valorizadas”, diz um trecho do documento.

Esses instrumentos seriam, por exemplo, a definição de como aplicar os mecanismos que propõem a promoção da função social da propriedade, sobretudo, parcelamento, edificação e utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo, direito de preempção e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. “A primeira função do Plano Diretor é dar sentido à função social da propriedade e, tal como está definida na minuta, é muito genérica”, descreve.

Signatária do documento, a arquiteta urbanista, relatora da ONU para o Direito à Moradia e conselheira da cidade, Raquel Rolnik, afirmou que o principal é garantir que a população de baixa renda tenha acesso às moradias que serão construídas na área dos novos corredores e estações ferroviárias. “Os instrumentos que estão presentes no plano para garantir a produção de habitação de interesse social nos eixos de estruturação metropolitana, nas áreas da avenida Jacu Pêssego e do rio Tietê, por exemplo, e nos eixos de transporte, não são suficientemente fortes e claros para garantir que nesses lugares se vai conseguir construir habitação de interesse social”, explicou.

Outra questão apontada por ela como fundamental é a destinação exclusiva do recurso obtido através da outorga onerosa, que uma taxa cobrada sobre o direito de construir a mais em um terreno, para o atendimento da população mais pobre. “Se é um recurso para ser aplicado no equilíbrio da cidade ele deve ser aplicado nas áreas de maior vulnerabilidade social, exclusivamente, e não prioritariamente como diz o plano”, afirmou. Além disso, Raquel defende que a gestão do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) seja democratizada, passando a contar com o controle do Conselho Municipal de Habitação.

Dentre as reivindicações estão: definir claramente a aplicação da cota de solidariedade para fins de produção de habitação de interesse social para todos os empreendimentos que tenham a partir de 10 mil metros quadrados de terreno ou 20 mil de construção, em um único projeto ou empreendimentos contíguos na própria área do empreendimento; definir mecanismos efetivos para que famílias afetadas por operações urbanas sejam atendidas por política habitacional no próprio perímetro de intervenção e limitar a R$ 2 mil a faixa de renda que será alvo da política de habitação.

Haddad afirmou que vai analisar a possibilidade de definir a proposta da cota de solidariedade. “Hoje a minuta apenas autoriza a prefeitura a exigir. Eles estão fazendo uma proposta concreta, de que todo empreendimento com 10 mil metros quadrados já preveja a cota. Nós vamos estudar”, afirmou.

Os urbanistas também propõem que seja aplicada a cobrança da dívida de IPTU nos imóveis ociosos e que sejam demarcados mais perímetros de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), definindo mecanismos que obriguem o poder público a controlar as intervenções nos perímetros demarcados.

Para Raquel, a flexibilização das Zeis proposta na minuta pode precarizar a aplicação delas na construção de habitações. “Estas áreas têm uma territorialidade, têm um lugar. Os distritos são grandes. Transferi-los pode implicar em uma localização muito pior. E não é verdadeiro esse discurso de que elas têm de mudar por que não serviram para nada”, afirmou. A arquiteta afirma que ao menos 50% delas se tornaram habitação de interesse social na cidade e citou como exemplo o Jardim Edith, na avenida Jornalista Roberto Marinho, zona sul da cidade, cuja população só permaneceu no local, diferente da maior parte da população pobre daquela região, por ele ter sido definido como Zeis. “É um instrumento de resistência”, completou.

Haddad, no entanto, não considera que a possibilidade de as empreiteiras proporem a mudança da Zeis de local afete sua função. “Tenho a impressão de que garantindo no mesmo distrito nós estaríamos em uma zona de conforto. Como a maior preocupação é com a Zeis 3, que é na região central, onde os distritos são menores, não haveria esse problema. Mas precisamos analisar casos concretos ou propostas dos movimentos de moradia”, explicou.

Questionado sobre a posição do mercado imobiliário, de que as medidas propostas para controlar o desenvolvimento da cidade elevariam os preços da moradia na cidade, o secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, demonstrou tranquilidade. “A curva do mercado sempre foi para cima, isso não seria novo. Mas não estou seguro de que vai aumentar. Temos dados que indicam que um apartamento com uma vaga para estacionamento pode ter o preço reduzido em até 30%. Então pode-se até baratear os custos das unidades nos eixos de mobilidade”, acredita.