Violência no Rio

Trabalhadora morta em chacina no Alemão foi baleada por PM que confundiu policial com criminoso

O cabo Eduardo Nunes Rodrigues Junior disse não ter ouvido colega de farda se identificar e disparou 12 tiros de fuzil contra o carro. Um dos disparos atingiu o veículo onde estava Letícia Marinho Sales

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Família de Letícia Marinho Sales cobra justiça e critica operação policial no Complexo do Alemão que a matou. Ao todo, 18 pessoas foram mortas na 5ª chacina policial mais letal da história do Rio

São Paulo – O tiro que matou Letícia Marinho Sales, de 50 anos, durante a operação policial que resultou em mais uma chacina no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, no último dia 21, foi disparado por um policial militar que confundiu uma colega de farda com um criminoso e disparou 12 tiros de fuzil em sua direção. O inquérito sobre o homicídio, divulgado nesta sexta-feira (29), comprovou as denúncias das testemunhas de que não havia confronto armado no momento em que a mulher foi morta pelo PM. As informações são do jornal Extra.

Letícia era moradora da comunidade Beira-Rio, no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste da cidade. E tinha ido visitar duas filhas e ajudar uma amiga pastora que atuava numa igreja da comunidade do Alemão. Ela foi atingida no peito durante a ação policial. Ao todo, a mais recente chacina no Complexo do Alemão deixou 18 pessoas mortas em dois dias de operação.

O autor do tiro que atingiu Letícia é o cabo Eduardo Nunes Rodrigues Junior, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Parque Proletário. Em depoimento à Delegacia de Homicídios (DH), o policial afirmou que integrava uma equipe de agentes que reforçava o policiamento no entorno do Alemão na manhã daquela quinta.

Ele estava na Estrada do Itararé, uma das principais vias de acesso ao complexo de favelas, quando viu dois veículos pararem lado a lado no sinal de trânsito a sua frente. Um deles era o Chevrolet Prisma ocupado por Letícia e seu namorado, Denílson Glória, morador da comunidade e o primo do companheiro, Jaime Eduardo da Silva, que conduzia o carro. 

Policial estava fardada

O outro era um Hyundai i30 de cor prata. Rodrigues Junior contou que viu uma pessoa armada colocar o corpo para fora do i30. Nesse momento, segundo contou em depoimento, o PM achou que se tratava de um criminoso e deu 12 tiros de fuzil. Ele disse não ter ouvido a pessoa armada se identificar e, por isso, atirou. Um dos disparos atingiu o retrovisor do Prisma que estava à frente e, em seguida, acertou Letícia. Os parentes tentaram socorrê-la. Mas Letícia já chegou morta na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão. 

O inquérito policial identificou que quem ocupava o banco do carona do i30 e portava uma pistola, no entanto, era a policial militar Geniffer dos Santos Nunes, lotada na UPP Alemão. Em depoimento, a soldado explicou que estava deixando o serviço na favela e pegou carona no veículo particular de um colega para ir até a base da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) que fica fora do complexo. Do local, ela pediria um carro por aplicativo para voltar para casa. 

O i30 era conduzido pelo também PM Sérgio Rodrigues. Quando o carro parou no sinal, ao lado do veículo onde estava Letícia, Geniffer estava fardada. Ao notar que o policial Rodrigues Nunes olhava o carro, Geniffer disse que o colega abriu os vidros e ela colocou o corpo para fora dizendo que era policial. Mesmo assim, o cabo disparou o fuzil. Um dos tiros também feriu na perna Sérgio Rodrigues, que conseguiu ser socorrido. Testemunhas que presenciaram o crime também confirmaram que a agente estava fardada ao lado do carro de Letícia. 

Despreparo policial

Em nota, a PM-RJ informou que o cabo Eduardo Nunes Rodrigues Junior está afastado dos serviços. E que o caso é investigado pela Polícia Civil. A Corregedoria da Corporação também apura o caso em procedimento interno instaurado. 

Nesta semana, a Defensoria Pública do Rio passou a representar a família de Letícia na justiça e nas esferas extrajudiciais. Ela, que deixou três filhas e três netos, estava desempregada e havia acabado de de fazer um curso de vigilante para tentar voltar ao mercado de trabalho.

No dia do crime, o primo de seu namorado, que conduzia o veículo e chegou a ser atingido por um tiro de raspão no pescoço, lamentou a violência policial. “A policial militar que estava em outro carro, levantou a pistola, com o brasão da corporação deles aparecendo. Mesmo assim, deram tiro numa mulher trabalhadora, que tá lá morta por despreparo policial.”

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