Impunidade

Justiça absolve PM que matou menino de Santo André quando ia ao mercado

Luan Gabriel, de 14 anos, foi abordado e morto quando ia com um amigo comprar bolachas. Advogado afirma que decisão do tribunal é “licença para matar”

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
"Esse tipo de decisão acaba sendo uma espécie de 'licença para matar' para os maus policiais, que matam com a certeza da impunidade", criticou Ariel

São Paulo – A Justiça de São Paulo absolveu, na noite de ontem (27), o policial militar Alécio José de Souza, de 43 anos, acusado de matar com um tiro na nuca o estudante Luan Gabriel Nogueira de Souza, de 14 anos. O adolescente ia com um amigo ao mercado comprar bolachas, em Santo André, no ABC paulista, quando foi baleado pelo cabo, em 5 de novembro de 2017. 

Após cinco anos do crime e dois dias de julgamento, o Tribunal do Júri de Santo André entendeu que Alécio assumiu o risco de morte ao disparar contra Luan Gabriel. Mas os jurados também acolheram o argumento da defesa, de que o PM teria atuado em legítima defesa, e o inocentaram do crime. A decisão foi divulgada ao final do julgamento pela juíza Milena Dias. De acordo com informações da Ponte Jornalismoos advogados de Alécio, Flávia Artilheiro e Richard Noguera, exploraram a presença ou não de antecedentes criminais de testemunhas e familiares da vítima. Os boletins de ocorrência não tinham nenhuma relação com o crime, mas foram apresentados mesmo assim.

Enquanto, em paralelo, a promotora Manuela Schreiber Silva e Sousa, que representava Luan Gabriel, argumentava que o cabo da PM não atuou em legítima defesa porque agiu de forma imprudente ao disparar contra um grupo de pessoas sem alvo definido. A acusação do Ministro Público do estado (MP-SP) afirma que Alécio “atirou a esmo” contra um grupo suspeito de roubar moto na Travessa 7 da Rua Paraúna, no Parque João Ramalho, periferia de Santo André. O PM atendia a ocorrência acompanhado do cabo Adilson Antônio Senna de Oliveira. 

Polícia aumentou o risco

No boletim de ocorrência, a dupla alegou que, ao entrar na viela da Rua Paraúna, além de Luan e Rodrigo Nascimento de Santana, de 16 anos, estavam “outros suspeitos” no local, desmontando o veículo furtado. Os agentes afirmaram que foram recebidos por tiros e Alécio descreveu ter revidado com outros três disparos. Um deles feriu Luan Gabriel, instantes antes de ele chegar ao mercado. A versão foi reproduzida pelo cabo no julgamento, que acrescentou ter dado voz de comando para que os adolescentes levantassem a mão.

Segundo a reportagem da Ponte, a promotora contestou, alertando que o cabo deveria ter aguardado reforço antes de tentar a abordagem. “A polícia não pode aumentar o risco que todos nós já estamos submetidos. A viela é uma via pública que qualquer pessoa pode passar, e se não fosse o Luan, qualquer outro morador poderia ser atingido, para pegar uma moto velha que nem se sabia direito de onde vinha. O Alécio produziu um risco inaceitável, criminoso, porque não é assim que tem chegar em uma viela. Se fosse nos Jardins ou no Campestre (bairros ricos), a polícia não chegaria assim”, registrou Manuela. 

Há denúncias de que os policiais também mexeram no corpo do menino. O amigo Rodrigo, testemunha do crime, foi morto por um PM, na mesma região, um ano depois. Ainda em 2017, Alécio foi afastado dos patrulhamentos de rua. Em agosto de 2018, ele chegou a ser preso preventivamente. Mas foi solto dois meses depois e respondia pelo crime de homícidio em liberdade. 

Absolvição é ‘licença para matar’

A decisão que inocenta Alécio é descrita, contudo, como “absurda” e “inaceitável” pelo advogado Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos. O advogado sustenta que o PM “jamais” agiu em legítima defesa. “Luan não tinha antecedentes na Vara da Infância e Juventude, era estudante e não estava armado”, frisou.

“O PM acusado confessou na delegacia e na Justiça que efetuou os disparos, mas disse que agiu em legítima defesa. No entanto, os laudos técnicos do Instituto de Criminalística, as testemunhas ouvidas na delegacia e na Vara do Júri e as investigações da Polícia Civil demonstraram que não houve nenhum confronto no local. Todas as provas e testemunhas atestaram que foi uma execução praticada por quem deveria proteger, e não matar”. Esperamos que o Ministério Público apresente recurso para anular o julgamento. Esse tipo de decisão acaba sendo uma espécie de ‘licença para matar’ para os maus policiais, que matam com a certeza da impunidade”, criticou Ariel. A promotoria informou que vai avaliar se recorre ou não da sentença.

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Redação: Clara Assunção