"Guerra aos pobres"

Operação policial no Complexo do Alemão: polícia fala em cinco mortes e Defensoria, em 20

Moradores relatam intenso tiroteio e abusos policiais desde as primeiras horas da manhã. Eles acusam o Bope e o Core de ter matado uma mulher, mãe de três filhos

Reprodução
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Desde às 5h, quando a ação começou, já se descrevia um "cenário de guerra", com intenso tiroteio em vários pontos e uso de helicópteros e caveirões


São Paulo – Uma operação conjunta de policiais militares e civis do Bope e do Core deixou ao menos quatro pessoas mortas, na manhã desta quinta-feira (21) no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. No início da tarde, uma quinta vítima foi confirmada pela polícia. Mas a Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio afirma que pelo menos 20 pessoas morreram.

Uma das vítimas é Letícia Marinho Sales, de 50 anos, moradora do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste. De acordo com informações do jornal Voz das Comunidades, Letícia estava em um carro, acompanhada do namorado, Denilson Glória, morador da comunidade, na Estrada do Itararé, quando teve o veículo alvejado por policiais. Baleada no peito, ela já chegou sem vida à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão. 

“Um carro estava emparelhando com a gente e tivemos que parar pra respeitar o sinal. Tinha um policial militar em uma Blazer e a policial militar que estava em outro carro, levantou a pistola, com o brasão da corporação deles aparecendo. Mesmo assim, deram tiro numa mulher trabalhadora, que tá lá morta por despreparo policial”, lamentou, emocionado, o primo de Denilson Jaime Eduardo da Silva, que conduzia o veículo. Ele também foi atingido de raspão no pescoço. Outros moradores relataram que no momento em que Letícia foi baleada não havia troca de tiros. Ela deixa três filhos e um neto. 

O ouvidor da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel, afirma que recebeu da UPA do Alemão a confirmação de que chegaram 15 corpos à unidade. E que outros cinco foram relatados pela assistência social do Hospital Estadual Getúlio Vargas. Os corpos foram levados por moradores da comunidade. Mesmo sem ter ainda a identificação da maioria das pessoas, a PM já alegava que estariam envolvidas em atividades criminosas. 

Temor de operação vingança

A corporação também confirmou a morte do cabo Bruno de Paula Costa. Segundo ela, criminosos atacaram a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Fazendinha e atingiram no pescoço o policial durante o confronto. Um outro agente chegou a levar tiro no pé, mas está fora de perigo. Nascido no Complexo do Alemão, o ativista e empreendedor social Raull Santiago disse que, por conta da morte do policial, os moradores temem que a operação – que segue na comunidade – “mergulhe na ideia de ‘operação vingança’, que acaba inflamando ainda mais a coisa e violando muitos moradores nesse caos”. 

Desde as 5h, quando a ação dos agentes teve início, eles já descrevem um “cenário de guerra“, com intenso tiroteio em vários pontos da comunidade e uso de helicópteros e caveirões. O fundador do jornal Voz das Comunidades Rene Silva compartilhou imagens em seu Twitter em que policiais aparecem atirando de dentro das lajes dos moradores. De acordo com o comunicador, há muitas denúncias de que a PM vem invadindo as casas. Por outro lado, os moradores temem retaliação e estão com medo de se expor. 

Em nota, a Polícia Militar afirmou ter enviado 400 policiais para a ação, quatro aeronaves e 10 blindados. Ao G1, o tenente-coronel Ivan Blaz, porta-voz da corporação, alegou que operação do Bope e do Core, grupos de elite da PM e da Civil, se fez necessária por conta de ações criminosas de um grupo que vem atuando no roubo de cargas. “Os marginais dessa comunidade vêm desempenhando (essas ações) em diferentes pontos do estado do Rio Janeiro”, disse ele. 

‘Cenário de guerra’

A operação no Complexo do Alemão, no entanto, começou quando moradores já estavam a caminho do trabalho. Alguns tiveram de se abrigar no chão dos ônibus para se proteger do tiroteio. Ativistas sociais também falam em “guerra os pobres”, com denúncias de que há moradores passando mal impedidos de receber socorro. “É muito grave o que está acontecendo na favela. Mortes aos montes. Violências de diversas formas direcionadas ao morador. Falta de luz. Há pessoas feridas dentro de casas tentando nos pedir socorro. Que desespero!”, descreveu Santiago.

Nas redes sociais, parlamentares e outras lideranças sociais também repercutem a nova operação como mais uma “violação de diretos” a mando do governador do Rio, Cláudio Castro (PL). O chefe do Executivo é acusado de usar das ações policiais em comunidades e favelas para “espetáculos violentos”. Até o momento, Castro lamentou apenas a morte do policial.