Chacina no Alemão

Letalidade policial no Rio com o governador Cláudio Castro é a maior em 15 anos

Governador, que tenta a reeleição, realizou três das cinco operações policiais mais letais da história do estado, com 70 mortos

Sema Souza/Voz das Comunidades
Sema Souza/Voz das Comunidades
Operação no Complexo do Alemão, no Rio, deixou ao menos 18 mortos e apreendeu apenas sete armas e somente cinco pessoas foram presas

São Paulo – A letalidade policial em comunidades do Rio de Janeiro vem crescendo desde que o governador Cláudio Castro (PL) foi efetivado no cargo, em abril de 2021. Em apenas 15 meses de gestão, Castro, que tenta a reeleição, foi responsável por três das cinco maiores chacinas policiais da história do estado. A mais recente, ocorrida ontem (21), deixou ao menos 18 mortos no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, segundo a Polícia Militar. 

Levantamento realizado pelo portal UOLcom base em dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), revela ainda que a letalidade das chacinas policiais com Castro também é maior do que a de todas as gestões desde 2007. Para pesquisadores da área de segurança pública, chacinas policiais são as operações com três ou mais mortes de civis. Nesse caso, de 76 chacinas policiais desde 2007, no governo atual foi registrada uma média de 4,6 mortos por operação das forças de segurança. 

Na gestão de Sérgio Cabral (MDB), de 2007 a 2014, essa média ficou em 4,58 mortes. Chegou a 3,73 no governo de Luiz Fernando Pezão (MDB), de 2014 a 2018. Já no período de intervenção federal, entre fevereiro e dezembro de 2018, a média voltou a subir, para 3,87. E, por final, sob Wilson Witzel (PSC), de 2018 a agosto de 2020, quando foi afastado do cargo, chegou a 3,77 mortes por chacina policial. 

Quinta operação mais letal

O governador Cláudio Castro esteve à frente inclusive da ação mais letal da história do Rio, com 28 mortos, incluindo um policial, em uma operação da Polícia Civil na Favela do Jacarezinho, também na zona norte. O massacre ocorreu em maio de 2021, menos de um mês depois de assumir efetivamente o cargo. Um ano depois, sua gestão também foi responsável pela segunda maior chacina policial, com 24 mortos, em maio deste ano, na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na zona norte da capital fluminense. 

Até então, as operações mais letais haviam ocorrido em 1998, na Vila Operária, em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. No massacre, 24 civis foram mortos. E em junho de 2007, quando 23 pessoas foram mortas no Complexo do Alemão. As duas chacinas ocupam, atualmente, o terceiro e quarto lugar nesse ranking de violência. A mais recente operação, na mesma comunidade, entra para a história do Rio como a quinta mais letal, com 18 mortos.

Ainda ontem à tarde, o ouvidor da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel, chegou a falar em 20 óbitos na operação. O defensor havia recebido da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão a confirmação de que haviam chegado 15 corpos à unidade. E que outros cinco foram relatados pela assistência social do Hospital Estadual Getúlio Vargas. Os corpos foram levados por moradores da comunidade. Por volta das 18h30, a Defensoria retificou a informação, confirmando a morte de 17 pessoas. Horas depois, a PM confirmou 18 óbitos, incluindo de uma mulher que estava a caminho do trabalho e de um policial. 

O que se sabe

Outras 11 pessoas já foram identificadas e, segundo a corporação, elas e as cinco pessoas estariam envolvidas em atividades criminosas. A operação contou com agentes do Bope e do Core, grupos de elite da PM e da Civil. Apenas por parte da Polícia Militar foram enviados 400 agentes para a ação. Além de quatro aeronaves e 10 blindados. O objetivo, segundo as forças de segurança, era prender criminosos do Comando Vermelho, que domina o Complexo do Alemão, e são apontados de envolvimento com roubo de cargas. 

No entanto, apenas sete armas, sendo quatro fuzis, uma metralhadora e duas pistolas foram apreendidas. E somente cinco pessoas foram presas. Ao todo, foram 12 horas de operação com intenso tiroteio e denúncias de abusos policiais desde as primeiras horas, por volta das 5h. Uma das famílias das vítimas acusa a PM pela morte de  Letícia Marinho dos Santos, de 50 anos, moradora do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste.

De acordo com informações do jornal Voz das Comunidades, Letícia estava em um carro, acompanhada do namorado, Denilson Glória, morador da comunidade, na Estrada do Itararé, quando teve o veículo alvejado por policiais. Baleada no peito, ela já chegou sem vida à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão. Segundo testemunhas, não havia tiroteio no local e a polícia atirou mesmo assim contra o veículo. A PM informou que está investigando as circunstâncias da morte de Letícia. Pelo Twitter, o governador lamentou apenas a morte do cabo Bruno de Paula Costa. Ele foi morto no confronto com criminosos na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Fazendinha. 

Letalidade não diminui violência

As incursões mais letais sob o governo Castro, no Jacarezinho, na Penha e no Alemão, também têm em comum o fato das três comunidades serem dominadas pelo Comando Vermelho. As regiões são consideradas um “cinturão do quartel general” da facção na zona norte da cidade. O coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, Pablo Nunes, afirmou ao UOL que a repetição de operações com dezenas de mortos mostra que o governador “não tem nenhum plano para a segurança pública, além da violência policial”. Em 2019, um levantamento do Ministério Publico mostrou, porém, que o aumento da letalidade policial não diminui a ocorrência de crimes ou de homicídios no Rio.