Gestores da morte

Chacina no Rio: ‘Governo arrenda territórios a traficantes de estimação’, diz antropóloga

Para pesquisadora Jacqueline Muniz, alta letalidade policial também indica alta corrupção e governo Castro não pensa em segurança pública, mas em “resultado eleitoral”

Luis Alvarenga/Divulgação
Luis Alvarenga/Divulgação
"Essas operações se dão em área do Comando Vermelho, não em áreas da ADA, do Terceiro Comando Puro que está articulado com a milícia"

São Paulo  – Não há nenhum projeto de segurança pública por trás da operação policial que vem sendo realizada desde as primeiras horas da manhã desta quinta-feira (21) no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. A afirmação é da antropóloga Jacqueline Muniz, cientista política e especialista em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em entrevista ao Jornal Brasil Atual nesta sexta-feira (22), a pesquisadora afirma que essa nova ação é para produção de “resultado eleitoral e publicidade”. 

Deflagrada pelo Bope e o Core, grupos de elite das polícias Militar e Civil, a operação entrou em seu segundo dia hoje, aumentando para 19 o número de mortos no conjunto de comunidades. A mais nova vítima é a moradora Solange Mendes, de 49 anos. Segundo testemunhas, ela foi atingida pela manhã por um policial na localidade da Caixa D’Água. A PM nega. Segundo a corporação declarou à imprensa, a base da UPP de Nova Brasília foi atacada por criminosos, mas não houve revide. Mas, após o cessar-fogo dos criminosos, Solange teria sido encontrada ferida. 

Levada pelos policiais para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, ela já chegou morta. Ainda no primeiro dia de operação, outras 18 pessoas foram mortas, incluindo outra moradora que estava a caminho do trabalho e um policial. As forças policiais alegam que as ações são necessárias para desmobilizar um grupo de roubos e que as outras 16 vítimas seriam suspeitas de envolvimento em atividade criminosa.

Governo usa chacina como publicidade macabra

Jacqueline Muniz diz, no entanto, que o que ocorre no Complexo do Alemão é uma repetição. A operação policial que terminou em chacina nesta quinta já entrou para a história como a quinta mais letal do Rio. Em apenas 15 meses de gestão, o governador Cláudio Castro (PL) já foi responsável pelas três das cinco chacinas policiais mais violentas com ao menos 71 mortes no período. 

Para a especialista em segurança pública, o governador “banalizou as operações policiais” que, na verdade, seriam o “estado de arte” da atuação policial, para ganhar uma “dimensão publicitária”. “Operações são recursos caros e nobres para fazer o relógio andar para trás, produzir baixa zero e não matança. Mas aqui se banalizou e virou a única coisa que o cidadão poderia enxergar que a polícia está fazendo. Quanto mais se faz operações banalizadas como essa não está se produzindo repressão nenhuma. Está morrendo na praia depois de nadar, trocando seis por meia dúzia, enxugando gelo. Mas está criando espetáculo visual para aparecer na mídia e produzir resultados eleitorais”, observa. 

Ela critica a falta de inteligência policial. Atualmente, a taxa de sucesso na elucidação de um homicídio no Rio é de apenas 11%. Bem abaixo do padrão pelo mundo, superior a 50%. E afirma que a morte de suspeitos também é injustificável, não apenas do ponto de vista penal, mas também para a investigação. Assim, a polícia mata “a galinha dos ovos de ouro que poderia permitir desmontar os esquemas de corrupção com o crime”

Espaço para as milícias 

A especialista explica, no entanto, que as execuções acontecem porque, na verdade, não há interesse em atuar contra as atividades criminosas. Não à toa, de acordo com Jacqueline Muniz, a alta letalidade policial está diretamente associada à corrupção política. No caso do Rio, há ainda o interesse em atuar especificamente em áreas dominadas pelo Comando Vernelho, como o Complexo do Alemão, ou ainda da Penha e da favela do Jacarezinho  – palcos da segunda e da primeira chacina policial mais letais da história do Rio e ambas realizadas pelo governo Castro. 

O objetivo é abrir espaço para milícias, destaca Jacqueline. “São 40 anos de guerra contra o crime sem vitória ou derrota e de crônica da chacina anunciada. Elas interessam a grupos criminosos e grupos corruptos de dentro do Estado que são os gestores da morte”, comenta.

“As chacinas são para fazer limpeza de terreno, para o Estado funcionar como uma imobiliária que arrenda territórios para seus traficantes de estimação. Todas essas operações se dão em área do Comando Vermelho, não se dão em áreas da AdA (Amigos dos Amigos), do Terceiro Comando Puro que está articulado com a milícia e que são aliancistas. Eles  fazem trocação, negociam o preço da propina, de apoio eleitoral a determinados tipos de candidatos. É disso que estamos falando”, conclui. 

Saiba mais na entrevista 

Redação: Clara Assunção