Cidadania

BlogProg: ativistas digitais debatem ‘civilização ou barbárie’, em jogo nesta eleição

‘No Brasil se matam suspeitos como se houvesse pena de morte’, denucia Hildegard Angel, ao lado da ativista indígena Txai Suruí e o coordenador do MST Gilmar Mauro, que também participaram da mesa de abertura do encontro

Reprodução/Barão de Itararé
Reprodução/Barão de Itararé
A jornalista Hildegard Angel denunciou a conivência da imprensa com a violência policial no RJ

São Paulo – Durante o final de semana, jornalistas, ativistas e representantes de movimentos sociais se reúnem no 7º BlogProg, em Maricá (RJ). A atual edição do Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais discute estratégias, experiências e ideias para derrotar o fascismo que avança no Brasil. Também disseca o papel da imprensa tradicional, agente e cúmplice das mazelas que afetam o país e busca traçar os caminhos da comunicação popular em favor de uma sociedade mais humana e igualitária.

Em sua participação, a jornalista Hildegard Angel denunciou a “guerra aos pobres”, que teve seu mais recente episódio na operação policial desta semana no Complexo Alemão que deixou ao menos 20 mortos. Txai Suruí, ativista indígena do povo Paiter Surui, relatou sofrimento que se abate sobre os povos indígenas, constantemente invadidos e massacrados. O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro destacou as engrenagens do capital, que promove a acumulação de riquezas nas mãos de uma minoria, enquanto dissemina a devastação e a miséria para a maior parte dos habitantes do planeta.

Os pobres como inimigos

Hildegard destacou que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), realizou três das cinco operações policiais mais letais da história do estado, com 70 mortos. “Aqui se matam suspeitos impunimente, como se no Brasil houvesse pena de morte. Mortos como peneiras humanas, com dezenas de tiros, metralhados. Repetindo o Leonel Brizola (ex-governador, líder trabalhista), a elite brasileira, a elite do Rio de Janeiro, faz das favelas “guetos de inimigos”.

Nesse sentido, ela criticou Castro que “instrumentaliza” as forças policiais para matar a sua própria população. Tudo isso, segundo Hildegard, para tentar atrair o voto do eleitorado “bolsonarista” em terras fluminenses. “Isso não é uma maldade espontânea do Rio de Janeiro. Mas ensinada, cultivada, ao longo de tantas décadas”. Em contrapartida, ela saudou Marica como um território que promove um “pensamento novo”, de paz, e livre do ódio, onde é possível dialogar sem ser atacado. “É isso que queremos para o Brasil inteiro”.

A jornalista reiterou no BlogProg a conivência dos veículos de comunicação. “Hoje o preto virou um produto da prateleira do consumo da mídia, que nunca fez nada para mudar esse quadro. A barbárie que a gente vive no Brasil é a indiferença. Mas não apenas da elite. A indiferença dos meios de comunicação comandados pela elite. Elite que metralha o seu povo, que não chora pelo seu povo. Que tem medo do seu povo, que vê o povo como inimigo.”

“Por que a gente não se revoltada?”

Txai Suruí disse que, para os povos indígenas, falar da barbárie “é falar da realidade”. “Vivemos a barbárie todos os dias. E a gente simplesmente se acomodou. O que vejo dentro dos territórios indígenas são 20 mil garimpeiros na terra indígena Yanomami, estuprando e matando mulheres. Crianças passando fome e morrendo de verme”, denunciou. “O que é isso, se não barbárie?”

Ela lembrou que na semana passada o suspeito de matar o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau. “Estou falando do meu amigo que foi assassinado há dois anos atrás. Esses dois anos de sofrimento não vão passar. Só quem perdeu alguém querido brutalmente assassinado sabe o que é isso”, lamentou Txai.

Do mesmo modo, ela também denunciou o silêncio conivente da imprensa. “Tanto na época do assassinato, como agora, a gente não vê repercussão”. “O que a gente está vendo em Rondônia, e em todas as Terras Indígenas no Brasil, é uma verdadeira barbárie. É mais do que omissão, é incentivo”. Ela afirmou que esse silêncio só foi quebrado, em parte, após os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, no Vale do Javari, no mês passado.

“Penso que nossas vidas não valem nada. Fico me perguntando porque as pessoas ainda estão caladas, acomodadas, sabendo de tudo o que está acontecendo. Sabendo dos massacres que acontecem nas favelas, nas periferias e dentro dos territórios indígenas. Por que a gente não se revoltada?”, indagou a ativista.

Fome como commodity

Para Gilmar Mauro, o Brasil e o mundo vivem as consequências de mais uma crise do capitalismo. E essa crise se traduz numa “brutal processo” de concentração de riquezas. Ao mesmo tempo, joga “na miséria e na barbárie” bilhões de pessoas ao redor do planeta. E não há perspectivas de solução dessa crise no curto prazo segundo ele. Ao contrário, é uma situação que tende a se prolongar.

Como faceta dessa processo, citou a fome no Brasil, que atinge atualmente 33 milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que o país é uma potência mundial do agronegócio. Segundo ele, em 2009, a área plantada de soja no país era de 23 milhões de hectares. Saltou para 23 milhões de hectares atualmente. E a previsão é que deve chegar a 50 milhões até o final da década. Em contrapartida, as plantações de arroz, que ocupavam 3 milhões de hectares, recuaram para 1,7 milhões, com previsão de chegar a apenas 600 mil hectares em 2030. Desse modo, ele alertou que agora, no segundo semestre, há risco de desabastecimento de outro alimento essencial na mesa do brasileiro: o feijão.

“Porque isso acontece? Porque a soja – assim como o café, o milho, a carne, o petróleo e o minério de ferro etc. – são commodities controladas por grandes conglomerados econômicos, comercializadas nas bolsas por esses setores, combinado com a especulação financeira sobre os produtos. Isso resulta num brutal processo de pressão sobre o uso do solo brasileiro”, analisou. Ele destacou ainda que, desde 1996, com a Lei Kandir, os produtos exportados não pagam impostos. Assim, a maior parte da produção nacional de milho, por exemplo, é exportada. Enquanto o milho consumido no país é importado.

Homenageados

Antes da primeira mesa de debates, o 7º BlogProg homenageou nomes que contribuíram com a luta pela liberdade de expressão e pela democratização dos meios de comunicação no Brasil. A primeira homenageada foi a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, que completaria 43 no próximo dia 27 de julho. “Foram muitas homenagens ao longo desses quatro anos e quatro meses desde o assassinato da minha filha. É a prova viva de que Marielle lutou em prol das minorias. É o que ela mais fazia na sua luta cotidiana”, destacou o pai, Antonio Francisco da Silva Neto.

O segundo homenageado foi o jornalista Paulo Henrique Amorim, um dos fundadores do primeiro BlogProg, que teve a sua primeira edição em 2010. “Paulo Henrique adorava estar aqui com vocês”, disse a viúva Giórgia Pinheiro, que destacou que existe um pouco da “coragem e ousadia” do jornalista em cada um dos participantes do evento. “Paulo Henrique, como um dos jornalistas mais perseguidos desse país, foi e é um símbolo de resistência. Em nenhum momento, ele se curvou”.

Os blogueiros e ativistas reverenciaram a memória do ex-diretor do Sindicato dos Bancários do Estado do Rio de Janeiro Alexandre Cesar Costa Teixeira, o Alexandre Terremoto, que morreu no ano passado. Ele foi um dos fundadores do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé. Também foi criador do boneco inflável Lula Gigante, criado quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso injustamente pela Lava Jato. Outro homenageado deste BlogProg foi o Antônio Barbosa Filho, conhecido como “Barbosinha”, que faleceu, vítima de um câncer, em maio deste ano.

Assista à abertura do 7º BlogProg: