Descriminalização

Silvio Almeida propõe que tema das drogas seja visto como ‘questão de saúde pública’

Para ministro dos Direitos Humanos, guerra às drogas causou “prejuízos irreparáveis” à sociedade brasileira, enquanto outros países avançam na descriminalização

José Cruz/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil
"Descriminalização não significa que não possa haver um controle sobre isso", disse o ministro

São Paulo – O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou ser favorável à descriminalização das drogas no Brasil. Ele defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue uma ação sobre o tema, que está parada desde 2015. Mas afirmou que o governo não estaria se movimentando nesse sentido. No entanto, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem “especial preocupação” com a questão do encarceramento em massa, e seus efeitos negativos na sociedade.

“Pautado na experiência de outros países, temos que tratar isso (as drogas) como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição. Eu acho que as pesquisas mostram isso”, afirmou o ministro em entrevista à BBC News divulgada nesta terça-feira (7).

Estudos indicam que a atual Lei de Drogas causou uma “explosão” no número de pessoas presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. A maioria dos condenados são pretos e pobres, que foram detidos com pequenas quantidades. Nas prisões, são cooptados pelas engrenagens das facções criminosas, enquanto os barões do tráfico permanecem praticamente intocados.

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), feito pelo Ministério da Justiça, em junho do ano passado, aproximadamente 837 mil pessoas estavam presas no Brasil. O país figura como a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Guerra às drogas

Para o ministro, a chamada “guerra às drogas” causa “prejuízos irreparáveis” à sociedade brasileira. “A guerra às drogas é um prejuízo mortal. Ela é muito pior do que qualquer outro efeito que se possa pensar. Nós temos que pensar seriamente nisso, com responsabilidade, com cuidado. Mas eu acho que a guerra às drogas, a forma com que se combate às drogas, causa um prejuízo irreparável na sociedade brasileira”.

Ele ressalvou, entretanto, que a sociedade brasileira ainda não está preparada para a discussão. “É um debate muito sério e muito complexo que tem que ser feito com o Estado brasileiro em termos educacionais e pedagógicos (…), é tarefa do Estado brasileiro, do governo brasileiro, preparar a sociedade para isso, uma vez que estamos falando de ciência. Não é uma questão de achismo. Não é uma opinião”, afirmou.

Além disso, ele ressaltou que a descriminalização das drogas não significa incentivar o uso deliberado. “Descriminalização de drogas não significa que não possa haver um controle sobre isso. A gente não pode confundir controle e regulação com a questão criminal”, ressaltou.

Outros temas

Na entrevista, Silvio Almeida afirmou que “o pessoal dos direitos humanos também se preocupa com a vida dos policiais”. Nesse sentido, ele sinalizou que o governo deve criar um “estatuto das vítimas de violência”, com foco no acolhimento e proteção, que incluiria também os agentes de segurança. “É fundamental que se pense nos policiais”, frisou.

Sobre a crise humanitária dos indígenas Yanomami, o ministro negou que o atual governo esteja “politizando” o episódio, ao responsabilizar a gestão anterior. Ele lembrou que, ainda no ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reconheceu a gravidade, a urgência e perigo de dano irreparável aos Yanomami. Ainda assim, ignorou o alerta e continuou a estimular o garimpo ilegal na região.

Ele também criticou a Lei da Anistia, porque “permitiu que graves crimes contra a humanidade não tivessem a punição devida no tempo devido”. No entanto, afirmou que o governo não discute qualquer ação a respeito do tema. Ao final, questionado sobre a legalização do aborto, disse que essa discussão deve ser “primordialmente pelas mulheres, que são as mais afetadas pelas políticas de saúde pública”, ou pela falta dessas políticas. “Elas devem ser livres para decidir sobre isso. Chega de homens dando opinião sobre a vida, sobre o corpo e sobre a saúde das mulheres”.