Industrialização

Produção de leite no sertão do Ceará eleva renda e beneficia comunidades da região

Cooperativa formada a partir de Quixeramobim inaugurou laticínio que ganhou o nome de Terra Conquistada. MST tenta expandir agroindústrias nas cadeias produtivas

Thiago Gaspar/Gab Gov
Thiago Gaspar/Gab Gov
Governador Elmano de Freiras participou da inauguração da indústria de laticínios: atividade em expansão

São Paulo – Quixeramobim, a 230 quilômetros de Fortaleza, é um dos 13 municípios do chamado sertão central do Ceará. E o segundo mais populoso, atrás de Quixadá, com 82.122 habitantes, de acordo com o Censo de 2022. Na última segunda (17), houve festa no assentamento Nova Canaã, com a inauguração do laticínio Terra Conquistada. Com capacidade para e receber e industrializar até 12 mil litros de leite por dia, o local beneficiará diretamente famílias de 28 assentamentos, segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“A agroindústria vai agregar valor ao nosso produto, que é perecível, mas com processo de beneficiamento estende sua vida. Vai melhorar o nível de vida das famílias. Do produtor e da produtora que estão lá no campo”, afirma Lucimerio Araújo, gestor industrial. Natural de Icó e filho de assentados, ele ressalta também a importância para a alimentação. “A gente visualiza também um alimento rico, em proteínas, sais minerais, chegando à mesa do povo da cidade, que hoje tem consumido produtos de qualidade duvidosa ou muito caros.”

Alimentos saudáveis

Além disso, lembra Lucimerio, isso ajuda a demonstrar que o MST também produz alimentos de qualidade, o que nem sempre chega ao conhecimento público. “Isso tem um vínculo com a reforma agrária, com a luta pela terra”, acrescenta.

A 22 quilômetros do centro de Quixeramobim, o assentamento tem 18 anos de existência. Desde 2015, os sem-terra iniciaram um processo que caminhou para a formação da cooperativa e a construção do laticínio, que em 2021 teve registro aprovado pela fiscalização estadual. Os resultados logo apareceram, conta Lucimerio. “A gente produzia o leite aqui, vendia para atravessador, vendia para um ou outro laticínio e pagava preço irrisório. A cooperativa foi um benefício para os cooperados e para as comunidades vizinhas. Ajudou a sair de uma faixa de meio salário mínimo para 1,2 salário mínimo por família.” 

Leite e derivados

Atualmente, são 189 cooperados, sendo 115 na produção de leite. A cooperativa (Cooperasc, foto acima) tem 19 empregados diretos e 15 indiretos, com 125 agricultores envolvidos. Incluído no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) o leite beneficiado é entregue diariamente em prefeituras, cozinhas comunitárias, hospitais, asilos, para 15 municípios da região. A produção inclui derivados como queijo coalho e requeijão. “Brevemente, a gente vai iniciar com iogurte também”, diz o gestor. A capacidade atual está em 8 mil litros, mas o objetivo é chegar a 12 mil ainda neste ano e dobrar no ano que vem.

A inauguração do laticínio contou com a presença do governador Elmano de Freitas e do ministro de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. “Nós temos que ser muito gratos a quem veio antes de nós, tem gente que talvez não saiba o que era há muito tempo atrás no Ceará, trabalhadores e trabalhadoras rurais, trabalhar o dia inteiro nas fazendas, fazer os roçados e quanto tinha inverno metade do que produzia era para o dono da fazenda. Essa companheirada lá em 89, quando o MST chegou no Ceará, teve coragem de ir pra luta pra conquistar a terra.”

Organização nos estados

Além do Terra Conquistada, os assentamentos de reforma agrária no estado incluem quatro agroindústrias de grande porte, de beneficiamento. De acordo com o MST, são mais de 90 assentamentos envolvidos, beneficiando aproximadamente 1.200 famílias. Essa agroindústrias irão processar mais de 150 variedades de produtos.

No município de Andradina (SP), a Coopar produz queijo, manteiga, requeijão e leite. Com 1.081 cooperados, atende mercados locais e merenda escolar (Pnae). Já a Cooperoeste, de Santa Catarina, industrializa 550 mil litros de leite por dia, com 40 produtos derivados. São 1.600 famílias envolvidas. Ainda na região, a Copran, de Arapongas (PR), tem produção de 45 mil litros/dia, com 495 agricultores.

São atividades em expansão, mas que exigem investimento e não têm retorno imediato, observa Giselda Coelho, do setor de produção do MST. Ela lembra que a agroindustrialização teve um período de fomento ao ser lançado o Projeto Terra Forte, ainda no governo Dilma, no início de 2013. Mas esse processo foi praticamente interrompido com o impeachment, três anos depois. Ainda assim, existem aproximadamente 120 agroindústrias, de pequeno, médio e grande porte, envolvendo 15 cadeias produtivas. No caso do leite, por exemplo, são produzidos 7,5 milhões de litros/dia de leite em assentamentos do MST em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará e Santa Catarina.

Além de evitar o atravessador, a agroindústria traz a vantagem de proporcionar identidade aos produtos, ressalta Giselda. Ela lembra que em torno dos 70% dos alimentos vêm da agricultura familiar, mas como são produtos in natura nem sempre é possível identificar sua procedência – quem produz, de onde vêm. As feiras da reforma agrária ajudam nesse processo. Além disso, em Belém, por exemplo, o MST participa em 16 feiras livres, com produtos dos assentamentos. “Nesses espaços, o que vai nos identificar é de fato a questão da indústria.”