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Polícia lança ofensiva contra facção suspeita por ataques no Rio Grande do Norte

Estado está há quatro dias sob ações violentas em pelo menos 39 cidades. Pesquisadora avalia que ações “são formas que a massa carcerária encontrou para ter suas solicitações atendidas”

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Os ataque seriam para reivindicar melhorias nas prisões potiguares, como substituição da empresa que fornece alimentos e entregaria comida "estragada". Demandas uniram Sindicato do Crime e PCC

São Paulo – A Secretaria de Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed) do Rio Grande do Norte realiza, nesta sexta-feira (17), uma operação contra integrante da facção suspeita de organizar os ataques no estado. Intitulada Normandia, – em referência à operação aeronaval deflagrada na Segunda Guerra Mundial –, a força-tarefa conta com um efetivo de cerca de 100 policiais civis, militares e federais e apoio de um helicóptero. Ao todo, são cumpridos 54 mandatos judiciais, entre eles, 30 de prisões preventivas e 24, de busca e apreensão. 

De acordo com a secretaria, os alvos são ligados à facção Sindicato do Crime. A organização criminosa é apontada como a principal responsável pelos ataques que desde a madrugada de terça (14) já ocorreram em pelo menos 39 cidades potiguares. Os comandos para as ações estariam partindo de dentro dos presídios. 

O grupo alvo da operação de hoje é chefiado por José Kemps Pereira de Araújo, de 45 anos, conhecido como Alicate. Ele cumpria pena na penitenciária de Alcaçuz e foi transferido, ainda na terça, para o presídio federal de Mossoró. A medida deveria conter as ações criminosas, o que não foi comprovado na prática.

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Quatro dia de ataques no Rio Grande do Norte

A polícia investiga o grupo desde 2022 por crimes de tráfico de drogas e assaltos. Segundo as apurações, a organização criminosa movimentava aproximadamente R$ 150 mil por mês. Os alvos da operação policial também são acusados de matar e atentar contra agentes de segurança pública no Rio Grande do Norte. Até o fechamento desta matéria, o número de presos ainda não havia sido divulgado. As ordens estão sendo cumpridas nas cidades de Natal, Parnamirim e Nísia Floresta, região metropolitana da capital potiguar. 

Nesta sexta, o Rio Grande do Norte entrou em seu quarto dia sob ataques. A sede da Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, foi incendiada durante a madrugada. O local mais atingido, segundo informações do portal g1 foi o depósito de medicamentos que ficou destruído. A prefeitura calcula um prejuízo de mais de R$ 10 milhões só em remédios. Criminosos também atearam fogo na guarita do Parque da Cidade, na capital. E dois ônibus foram queimados na garagem de uma empresa privada no município de São Miguel do Gostoso. 

Ataques também registrados na cidades de Canguaretama, Arez, São Vicente, Lajes, Campo Redondo e Montanhas nesta madrugada. A governadora Fátima Bezerra (PT) anunciou a criação de um gabinete de crise e, ainda na terça, solicitou reforços da Força Nacional, que chegou no estado no dia seguinte, com 200 policiais. O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou nesta quinta (16) que o efetivo será ampliado até que o quadro de crise seja superado. 

Denúncias de tortura

As autoridades afirmam ter informações de que duas facções rivais, o Sindicato do Crime e o Primeiro Comando da Capital (PCC) – este último surgido em São Paulo no início dos anos 1990 –, se aliaram, em uma trégua temporária, para os ataques no estado. Segundo o governo federal, a transferência para fora do Rio Grande do Norte, em janeiro, de chefes do Sindicato do Crime, considerada a principal facção no estado, provocou a retaliação.

No entanto, em entrevista ao site Ponte Jornalismo, a antropóloga, pesquisadora do sistema prisional e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Juliana Gonçalves Melo observou que a real motivação por trás desses crimes seria a cobrança da população carcerária por melhores condições nos presídios. 

A hipótese também vem sendo apurada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN). Embora tenha chamado de “regalias” as demandas dos presos que estariam se rebelando, o órgão confirmou à reportagem que apura as denúncias do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), ligado ao governo federal. O grupo deve publicar nos próximos dias um relatório com uma série de violações nas unidades inspecionadas no estado em novembro do ano passado. 

“Em 16 anos de experiência na área (de segurança pública), nunca havia presenciado uma situação tão desumana. O que vimos é realmente chocante. Em literalmente todas as celas que entramos tinha no mínimo uma pessoa machucada. O severo nível de tortura praticada nas unidades prisionais, sobretudo em Alcaçuz, nos deixou muito impressionados”, afirmou ao site Poder360 a integrante do MNPCT Barbara Coloniese. 

Reivindicações dignas

De acordo com Juliana Gonçalves Melo à Ponte, “os ataques, que já aconteceram de forma parecida desde 2016, são formas que a massa carcerária encontrou para ter suas solicitações atendidas”. “Os presos não querem caviar, eles querem um alimento que não estrague e não faça mal”, afirmou.

A pesquisadora também advertiu que falar em “regalias” “é uma reducionismo de fato”. Em um dos “salves” (jargão para recados, orientações e avisos, atribuídos à facção, é pedido, por exemplo, a substituição da empresa que fornece alimentos. Segundo o grupo criminoso, ela estaria entregando refeições “azedas” e “estragadas”. 

“Tem coisas que são essenciais, como, por exemplo, “eu não quero ser torturado”, “eu não quero que a minha família seja humilhada”, “eu não quero comer uma comida podre”. A fome é uma questão muito presente em todo o sistema potiguar que também faz parte de um sistema nacional”, adverte. 

Juliana analisou ao veículo que Fátima Bezerra (PT), a atual governadora que assumiu em 2019 e foi reeleita em 2022, tem feitos sinalizações para melhorias do sistema prisional do Rio Grande Norte. Há um avanço, diz a estudiosa, citando um processo de abertura no sistema para remissão de pena que está em andamento.

O que fazer

Mas a gestão de Fátima Bezerra “acaba sendo também refém de velhas lógicas (…) e que são totalmente contrárias à perspectiva de direitos minimamente assegurados aos presos. Essa questão tem que ser colocada. Eu vejo o governo do PT bem intencionado, mas amarrado por várias estruturas que impedem um movimento mais livre. A gente sabe que a questão prisional é um grande tabu na sociedade”, detalhou Juliana Melo à Ponte. 

A especialista defende, contudo, que a sociedade brasileira “repense” sua relação com a prisão, que não está separada da vida fora dela.

“A prisão está o tempo todo conectada. Quanto pior uma prisão, mais violenta é a nossa sociedade. Quem defende melhorias na prisão está defendendo uma sociedade menos violenta.

“Mas em termos mais específicos para agora, é necessário uma atuação mais vigilante, mais fiscalizadora em relação a essas violações que já acontecem há muitos anos. Não é coisa nova, é um ciclo que se repete”, alerta a especialista.