O que vem no PL 490 

‘PL do Genocídio’ é institucionalizado com aprovação na pacote que inclui marco temporal

Além de excluir a possibilidade de demarcação de terras indígenas daqueles que não estavam nelas em 1988, o PL 490 também abre os territórios para exploração de recursos e coloca em risco os povos indígenas isolados. Avaliação é que apenas o Senado e o STF podem impedir retrocessos 

Andressa Zumpano/Cimi
Andressa Zumpano/Cimi
"É exatamente essa ideia de genocídio que passa por essa aprovação do marco temporal", destaca o jurista Carlos Marés

São Paulo – Desde a aprovação na Câmara do Projeto de Lei (PL) 490/2007, nesta terça-feira (30), o país não apenas legalizou a tese política do marco temporal como institucionalizou um “PL do Genocídio”. A avaliação é do jornalista Leonardo Sakamoto, que participou da edição desta quarta (31) do ICL Notícias. Para ele, esse pacote de medidas anti-indígenas é “muito pior do que o marco temporal em si”.

A tese política do marco temporal dificulta a demarcação de terras indígenas. Isso porque, segundo esse entendimento de interesse dos ruralistas, só podem ser demarcadas as terras de comunidades indígenas que ocupavam a terra reivindicada na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Nessa visão, é como se o Brasil tivesse começado naquele dia e não tivesse havido conflitos agrários nos quais comunidades foram expulsas a bala.  

Sakamoto se referia ao fato de o PL 490 também abrir os territórios tradicionais para a exploração de recursos hídricos, energéticos, minerais e de instalação de infraestrutura. E também de acabar com a proteção dos povos indígenas isolados em relação a contatos externos.

A medida permite, por exemplo, que “em situações utilidade pública”, “intermediários em ação estatal” possam quebrar essa proteção. O conceito de utilidade pública, porém, não define critérios ou situações para esse tipo de atuação. 

Para entidades indigenistas, a inclusão dessa proposta permitirá missões religiosas para catequizar indígenas não contatados, colocando a própria saúde desses povos em risco. Os intermediários ainda poderão ser também entidades particulares nacionais e estrangeiras. O levantamento do jornalista também mostra que as terras indígenas, hoje já demarcadas, não poderão ser ampliadas com o PL 490. O que impedirá a correção de erros passados. O projeto prevê ainda a retomada de territórios indígenas que “alteraram” ao longo do tempo traços culturais. 

Expectativa no Senado e STF

“Ou seja, um governante pode ser sommelier de indígena e dizer que alguém deixou de ser (indígena), por usar celular, ou qualquer outra razão, para começar um processo de impedimento de terras”, contesta Sakamoto. Em outro ponto, a proposta também dispensa a consulta prévia aos donos da terra para a instalação de bases militares, implementação de rodovias ou mesmo hidrelétricas. As mudanças incluem a facilitação para contestar processos demarcatórios, a celebração de contratos de produção dentro das TIs por não indígenas, entre outros retrocessos.

De última hora, por ação da deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), os governistas conseguiram impedir que a liberação do garimpo em terras indígenas também fosse aprovada no pacote. Mas a mudança dessa “trajetória da tragédia”, como classificou o colunista do ICL Notícias, dependerá agora do Senado. Ele avalia que a Casa não terá “a mesma pressa” para julgar, como a Câmara, e será mais “sensível” ao tema. O julgamento do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), no próximo dia 7 de junho, também ganhará um peso maior. 

O jurista e professor de Direito Carlos Marés não acredita que o PL 490 será aprovado no Senado. Em entrevista ao programa, Marés também afirmou aguardar com a expectativa a declaração de inconstitucionalidade da tese pelo STF. O jurista avalia que os ruralistas, a direita e a extrema direita, que deram aval para o projeto, estão buscando intencionalmente o fim de uma comunidade e cometem “genocídio”. 

Manifesto Indígena

“É exatamente essa ideia de genocídio que passa por essa aprovação do marco temporal. Os povos indígenas têm direito à terra para poder existir. Então se há um reconhecimento de que os indígenas têm direito de existir como povo, grupo e comunidade, não é possível imaginar que eles possam existir fora da terra, porque as características essenciais dos indígenas estão ligadas à terra. A discussão não é qual é o dia que eles passam a ter direito a isso, é se eles têm direito. E o marco temporal, que estabelece um dia para ter esse direito, viola o direito de existir desses povos. Porque um povo sem território, sem terra, sem lugar para viver, não consegue continuar por muito tempo, acaba. E o nome disso é genocídio”, destacou Marés. 

Em manifesto, nesta quarta, a Teia dos Povos Indígenas do Maranhão, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rondônia, Goiás/Distrito Federal, Minas Gerais e Alagoas prometeram, em manifesto, marchas, bloqueios e autodemarcação caso o PL 490 avance. 

“Não vamos admitir o retrocesso e o alastramento do racismo ambiental, com política de extermínio. Assim como nossos ancestrais lutaram, continuamos caminhando passos de resistência e lançando nossas flechas em defesa de todos nós, reverberando vitória diante daqueles que deslegitimam nosso direito de existir”, destacaram no documento. 

Redação: Clara Assunção