#PL490Não

Contra o marco temporal, indígenas protestam em todo o país. ONU faz alerta sobre votação

Tese jurídica de interesse dos ruralistas está prevista para ser votada nesta terça na Câmara. Eventual aprovação coloca em alerta ONU e pode enfraquecer imagem do Brasil no exterior, avalia Jamil Chade

Gabriela Moncau / Brasil de Fato
Gabriela Moncau / Brasil de Fato
Indígenas Guarani foram reprimidos pela PM em ato contra marco temporal na rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo

São Paulo – Em protesto pacífico, lideranças indígenas de diferentes etnias ocuparam rodovias em diversas partes do Brasil, nesta terça-feira (30). A mobilização nacional faz parte do “Ato em prol da Vida” convocado contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490, que estabelece o chamado marco temporal. Na última quarta (24), a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação em regime de urgência do PL que pode ser votado hoje, de acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

A medida altera o estatuto jurídico das terras indígenas ao introduzir o requisito do marco temporal de ocupação para os processos de demarcação. Pela tese, só deverão ser reconhecidas as terras ocupadas pelos povos originários até o dia da promulgação da Constituição. Ou seja, em 5 de outubro de 1988. O que, na prática, impedirá o direito à terra pelos povos indígenas.

O PL 490 estava parado na Câmara desde novembro de 2021. Mas, atendendo aos interesses da bancada ruralista, o projeto foi colocado em pauta por Lira, que garantiu a votação às pressas para legislar sobre o tema antes do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque a Corte também deve apreciar o tema em julgamento no próximo dia 7 de junho. Apesar da manobra, lideranças e movimentos indígenas conseguiram antecipar parte da mobilização social para esta terça, bloqueando diversos pontos pelo país.

Atos pelo Brasil e repressão em São Paulo

Ainda nas primeiras horas, ao menos quatro protestos foram registrados no Ceará. As manifestações bloquearam pontos de rodovias em Caucaia, Maracanaú e Crateús. Em São Paulo, o povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, travou também a rodovia Bandeirantes, na capital. Em um protesto pacífico, os Guarani seguiam em direção ao rio Tietê, deixando uma faixa da rodovia livre, conforme haviam acordado com a Polícia Militar. Mas, por volta das 8h30, os PMs começaram a atacar a manifestação, com bombas de gás lacrimogêneo, jatos de água e tiros de balas de borracha.

De acordo com a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG), mais cedo, também nesta terça, um evento na Câmara que reuniria hoje povos indígenas de todo o Brasil foi desmarcado pelo Legislativo. A alegação, segundo a parlamentar, foram “motivos de segurança”. “O motivo real é a presença dos povos indígenas dentro da ‘Casa do Povo’ no dia da votação do PL 490”, rebateu Célia em sua conta no Twitter.

O povo Mura de Autazes, no Amazonas, contudo, também seguiu protestando contra o PL 490. Desde as 14h, os povos indígenas marcham em Brasília contra o que classificam como “um genocídio legislado que está em tramitação no Congresso”. O ato é organizado pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em paralelo, um tuitaço também marca a oposição da sociedade civil contra a retirada dos direitos dos indígenas.

ONU faz alerta

“Levantemos nossos maracás e ecoemos nosso grito, toda nossa rede, povos, comunidades, aldeias e onde for necessário, demonstrando o nosso repúdio aprovação do PL 490 e mostrando nossa força na luta pela defesa dos nossos direitos”, destaca o movimento indígena.

Em comunicado divulgado ontem (29), o escritório da ONU para Direitos Humanos na América do Sul se mostrou preocupado com eventual aprovação do marco temporal. A avaliação é que a tese jurídica “enfraquece a proteção dos povos indígenas no Brasil”. A medida ainda seria um “grave retrocesso” para os direitos dos povos originários e “contrária às normas internacionais de direitos humanos”.

Repercussão nacional e internacional

“A posse das terras existente em 1988, após o expansionismo da ditadura militar, não representa a relação tradicional forjada durante séculos pelos povos com seu entorno, ignorando arbitrariamente seus direitos territoriais e o valor ancestral das terras para seus modos de viver”, afirmou o chefe da ONU Direitos Humanos na América do Sul, Jan Jarab.

O jornalista e correspondente internacional Jamil Chade também observou que o mundo acompanha apreensivo a votação do PL 490. Em entrevista ao ICL Notícias, o jornalista disse que aprovação pode enfraquecer a imagem do Brasil no exterior, com custos para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Essa é uma repercussão internacional para o Brasil. A Amazônia, questão indígena e de direitos humanos são pontos fundamentais de uma inserção do Brasil no mundo”, afirma Jamil Chade.

Saiba mais na entrevista completa: