Direito das mulheres

Projeto de lei paulistano busca proibir exigência de autorização do marido para uso do DIU

Apesar de ilegal, postos de saúde da capital paulista foram flagrados exigindo de mulheres casadas consentimento do cônjuge para utilização do método contraceptivo

Ministério da Saúde/Reprodução
Ministério da Saúde/Reprodução
Exigência de autorização "fere todos os direitos das mulheres. A autonomia sobre o próprio corpo, o direito à saúde, os direitos mais básicos são violados", aponta covereadora da Bancada Feminista do Psol

São Paulo – Após denúncia de que Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade de São Paulo exigiam autorização do cônjuge para colocação do contraceptivo DIU em mulheres, a Bancada Feminista do Psol ingressou com uma representação no Núcleo Especializado de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado de São Paulo e também com um projeto de lei na Câmara Municipal paulistana para impedir a prática.

Na semana passada, o jornal Folha de S. Paulo revelou que pelo menos sete postos de saúde da cidade têm agido de forma ilegal ao exigir de mulheres casadas o consentimento do marido para fazer o procedimento. Uma medida “completamente absurda”, como observa a covereadora do mandato coletivo Dafne Sena. “Isso fere todos os direitos das mulheres. A autonomia sobre o próprio corpo e o direito à saúde, os direitos mais básicos são violados com essa exigência”, elenca.

Embora não tenha uma previsão legal, a exigência, conforme já havia reportado o veículo em agosto, também era adotada por planos de saúde de São Paulo e Minas Gerais. “O propósito do nosso PL e da representação no Ministério Público é barrar esse tipo de exigência. Ela está acontecendo de uma forma irregular. A gente pretende que o MP e um projeto de lei possam estabelecer que isso é proibido e não pode ser mais feito”, destaca Dafne.

Descaso com a saúde

Todas as sete unidades de saúde flagradas em São Paulo são terceirizadas e administradas por organizações sociais. São elas: UBS Ferroviários, Chácara Cruzeiro do Sul, Jardim Santa Maria, Vila Santana, Cidade Tiradentes, Carandiru e Vila Sônia. Grande parte dos postos se concentra em áreas periféricas da cidade, onde a maioria das mulheres atendidas é negra.

Integrante da Frente Nacional contra a Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto de São Paulo e coordenadora Movimento Negro Unificado (MNU), Luka Franca avalia que essa prática revela a interferência e o desprezo do Estado pela saúde da população negra.

“Isso só demonstra a ingerência que existe das OSS em cima do que são os planos de saúde da mulher e da população negra na nossa cidade. Quando se estabelece esse critério da permissão dos cônjuges para colocar DIU, simplesmente é ignorada a necessidade do Estado ter que garantir a saúde das pessoas, que é um direito constitucional”, afirma.

Desigualdade de gênero

No Brasil, o índice de gravidez na adolescência está acima da média mundial. Em 2020, a cada mil brasileiras entre 15 e 19 anos, 53 tornam-se mães. No mundo, são 41, conforme relatório lançado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas. Além disso, cerca de 55% das gestações no Brasil não são planejadas, apesar de haver uma série de métodos contraceptivos disponíveis.

Luka Franca chama a atenção para outro debate, o da laqueadura. Ainda hoje o procedimento não é feito em mulheres com menos de 25 anos que ainda não são mães. E, mesmo nas mães que já passaram dos 30 anos é preciso a permissão do cônjuge. Mulheres que tentam realizar o procedimento ainda sofrem a influência de médicos que querem fazê-las mudar de ideia. Para a ativista, essas atitudes só mostram que a mulher é vista como “um corpo apenas reprodutor e não um corpo que possui direitos”.

“Não existe uma determinação de que é necessário uma permissão da mulher caso o seu companheiro queira fazer uma vasectomia. E não tem mesmo que pedir permissão para fazer o procedimento, assim como também não teria que pedir permissão para fazer uma laqueadura”, aponta. “As pessoas têm compressão sobre quais são os papéis que querem operar na sociedade e quais as suas decisões do ponto de vista da saúde reprodutiva e sexual, mas isso não é garantido à mulher porque a nossa legislação, o Estado brasileiro, ainda mantém normas pensam a mulher como uma reprodutora e não como um ser de direitos.”

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