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Mulheres pressionam, e Assembleia de São Paulo adia votação do PL das cesarianas

Projeto de Janaína Paschoal (PSL), rejeitado por deputadas, movimentos feministas, Conselho de Enfermagem e Defensoria Pública, só deve ser votado em agosto

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Opositoras ao projeto querem uma proposta que garanta direitos que a mulher já tem e ainda são negados

São Paulo – Após um mês de mobilização de mulheres na Assembleia Legislativa paulista, o Projeto de Lei (PL) 435/2019, que pode levar a um aumento do número de partos cesarianas realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), teve a votação adiada e só deve ir a plenário em agosto, após o recesso. De autoria da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL), o chamado “PL das Cesarianas” propõe que as mulheres possam optar pelo procedimento, a partir da 39ª semana de gestação, independentemente de indicação médica. Deputadas estaduais, movimentos de mulheres, o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública estadual (Nudem) são contra a proposta.

“A gente quer que a mulher tenha acesso ao melhor parto, acolhido, respeitoso, sem violência, seja cesariana, seja vaginal. E que a cesariana, quando necessária, seja bem aplicada”, afirmou a deputada estadual Beth Sahão (PT), contrária à proposta de Janaína. Para ela, o projeto deveria ampliar as garantias da mulher ter acesso a informações durante todo o pré-natal, de que o plano de parto seja respeitado e que ela tenha um acompanhante ao seu lado durante todo o parto. Essas medidas já são definidas por lei, mas ainda são desrespeitadas.

A co-deputada Raquel Marques, da Bancada Ativista (Psol), considera o PL das cesarianas um retrocesso a toda a discussão sobre saúde das mulheres e o parto. “Discutir autonomia das mulheres não é só garantir o direito à cesariana. É uma solução simplista para um problema complexo. As mulheres procuram a cesariana porque elas têm, de um lado, um parto (natural) extremamente violento, hospitais sucateados, sem estrutura, e de outro elas veem  a cirurgia como uma forma de fugir dessa verdadeira tortura”, explicou.

Recomendações da OMS

No entanto, após duas longas audiências públicas, com a presença de profissionais da área da saúde e militantes de direitos das mulheres, Janaína se negou a fazer qualquer alteração no PL. Ela relatou que o projeto surgiu de 20 anos de trabalho na área criminal, no âmbito de uma pesquisa de doutorado, sobre mortes decorrentes de omissão na área da saúde. E a conclusão foi de que, se tivesse sido atendido o pedido da mulher pela cesariana, boa parte dos casos de morte materna e neonatal teriam sido evitados. “Muitos casos de morte por parto cesariana se dão por partos indicados para via vaginal que se estenderam demais e acabaram sendo levados à cesariana de emergência”, destacou.

O Coren ressaltou, no entanto, que a opção por cesarianas não demonstrou ganhos à saúde e à vida de mulheres e bebês. “O PL apresentado está em desacordo com as 56 recomendações emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgadas em 2018, que estabelecem padrões de atendimento para reduzir as intervenções desnecessárias no parto. Nas últimas décadas, houve aumento significativo das taxas de cesariana em todo o mundo, sem comprovação de benefícios significativos para a saúde das mulheres e de seus bebês”, diz a entidade.

Em 2018, o Brasil teve aproximadamente 55% dos partos realizados por cesariana. Quando se observa apenas a rede privada, foram quase 85%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável uma taxa de até 15% dos partos serem cesarianas. A partir disso, há impacto significativo na ocorrência de mortes maternas: 52% dessas mortes têm causas associadas ao parto por cesariana. Nos partos normais isso fica em torno de 23%.

A presidenta da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, Daphne Rattner, destacou, em uma das audiências, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) analisou 290 mil partos e registrou um risco seis vezes maior de morte no parto cesariana, além de um risco cinco vezes maior de infecção. O Ministério da Saúde, em 2011, registrava taxa de mortalidade de 18 mortes para cada 100 mil partos por cesariana e 8 mortes para cada 100 mil partos normais. Para ela, o PL das cesarianas não trará nenhum benefício às mulheres e bebês.

A ex-ministra das Mulheres Eleonora Menicucci, professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrou que parto humanizado, cesariana e laqueadura são procedimentos já contemplados na legislação e nas normas de atendimento à mulher do SUS. “O que falta é qualificação nesse atendimento. Ninguém pode escolher com autonomia se não for bem informada, se não é acolhida. As mulheres precisam de acolhimento e informações. E não é no ato do parto, é nos nove meses de pré-natal”, afirmou.