Para escritório da ONU, decisão do STJ sobre estupro abre precedente perigoso

'É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos', diz representante para a América do Sul

São Paulo – Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre um caso envolvendo um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos, bastante criticada por entidades ligadas aos direitos humanos, também chegou às Nações Unidas. O Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) condenou a decisão. “É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”, afirmou o representante regional do escritório para a América do Sul, Amerigo Incalcaterra. “A decisão do STJ abre um precedente e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero.”

Ao relatar o caso, a ministra Maria Thereza de Assis Moura argumentou que não se pode considerar crime o ato que não viola o “bem jurídico tutelado” – no caso, a liberdade sexual –, porque as menores já se prostituíam quando ocorreu o episódio. Em nota divulgada ontem (4) para se defender das críticas e o que considera “interpretações equivocadas”, o STJ afirmou que a decisão tratou apenas “se a violência sempre deve ser presumida ou se há hipóteses em que menor de 14 anos possa praticar sexo sem que isso seja estupro”.

Segundo Incalcaterra, a decisão contradiz tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw). “Todos os tribunais têm a obrigação jurídica de interpretar e aplicar esses tratados de direitos humanos”, afirmou.

O representante regional manifestou preocupação por parte do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no sentido de que a decisão do STJ ponha em risco avanços já obtidos em relação aos direitos de crianças e adolescentes. E lembrou que as diretrizes internacionais de direitos humanos estabelecem claramente que a vida sexual de uma mulher não deve ser levada em consideração em julgamentos sobre seus direitos e proteções legais, incluindo a proteção contra o estupro. Além disso, conforme a jurisprudência internacional, os casos de abuso sexual não devem considerar a vida sexual da vítima para determinar a existência de um ataque, pois essa interpretação constitui uma discriminação baseada em gênero.

Ele elogiou as declarações da ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, para quem os direitos das crianças não podem ser relativizados.

 

 

 

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