Só amor

Padre Júlio Lancellotti recebe solidariedade por ataques de Janaina Paschoal

Deputada afirmou que a “doação de comida na Cracolândia ajuda o crime”. Declaração foi repudiada nas redes sociais que se levantaram em solidariedade ao trabalho da Pastoral do Povo de Rua

Ari Paleta/Sindicado dos Metalúrgicos do ABC
Ari Paleta/Sindicado dos Metalúrgicos do ABC
"A questão que mantém (a cena de uso de drogas da Luz) é a corrupção. Tem muita gente que ganha em cima daquilo. Quem ganha dinheiro ali, não são os que estão ali", destaca o pároco

São Paulo – Após ataques higienistas da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL) ao trabalho da Pastoral do Povo de Rua na capital paulista, uma onda de solidariedade foi formada, resultando em doações àquela pastoral, coordenada pelo padre Júlio Lancellotti. Ontem (8), o pároco publicou vídeo nas redes sociais agradecendo as contribuições e rebatendo os ataques, ressaltando que seu trabalho é de humanização. “Indo ao encontro daqueles que ninguém quer. Nosso objetivo principal não é distribuir comida, mas ser alimento, força e esperança para aqueles que estão esquecidos, marginalizados, descartados e excluídos. Sejamos irmãos de todos, não neguemos nem o pão e nem o coração para ninguém”, destacou Lancellotti. 

No sábado, a parlamentar criticou a distribuição de comida às pessoas em situação de rua no bairro da Luz, no centro da cidade de São Paulo, região pejorativamente conhecida como “cracolândia”. Em seu perfil no Twitter, Janaina Paschoal afirmou que “a distribuição de alimentos na Cracolândia só ajuda o crime” ao comentar reportagem em que o padre denunciava que agentes da Força Tática da Polícia Militar de São Paulo estavam tentando intimidar e impedir o trabalho de entrega de marmitas à população do local. 

Repercussão negativa do ataque

Em resposta, internautas produziram um meme que viralizou após ser compartilhado pelo padre Júlio Lancellotti. Na publicação, a parlamentar é representada dormindo tranquilamente, apesar de o Brasil se aproximar de 600 mil mortos pela covid-19. Mas acorda enfurecida com a notícia de doação de alimento à população pobre e vulnerável. 

A repercussão das publicações colocaram o assunto entre os mais comentados no Twitter, com diversos internautas compartilhando o PIX e os dados bancários da Pastoral do Povo de Rua para doações. Diante da repercussão negativa, Janaina Paschoal novamente atacou, argumentando que “alimentar no vício só estimula o ciclo vicioso”. 

Ao portal UOL, o religioso afirmou que “a questão que mantém (a cena de uso de drogas na Luz)” é a corrupção. “Tem muita gente que ganha em cima daquilo. Quem ganha dinheiro ali, não são os que estão ali. E as autoridades ficam usando estratégias equivocadas, porque essa estratégia de atacar os usuários já foi usada inúmeras vezes por diferentes administrações e nunca deu certo. Minha pergunta é: quando você usa uma estratégia e não dá certo, o que você faz? Muda de estratégia. Eles não mudam”, criticou. 

Onda anti-ódio

Há mais de 30 anos no cuidado da população sem-teto, padre Júlio ainda explicou que “as respostas desumanas vão desumanizando as pessoas”. “Não podemos gerar ainda mais dificuldades para que eles fiquem asfixiados”, garantiu. 

Essa não é a primeira vez que o pároco é atacado por parlamentares do campo da extrema direita que usam da cena de uso de drogas da Luz como “palanque eleitoral” para defender como “solução” operações violentas já fracassadas na região. O ataque de Janaína Paschoal também provocou comentários de outros parlamentares, que repudiaram suas declarações. 

O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) descreveu a ação da PM como um ato de “desumanidade” e ironizou que “ainda tem gente que se diz cristã, mas prega ódio em vez de amor ao próximo, como Janaina Paschoal, que atacou o padre Júlio Lancellotti. Falta um mínimo de solidariedade!”, tuitou. O também deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) ressaltou que “dar comida aos pobres é ato nobre”. “Cabe ao Estado oferecer políticas públicas de moradia, tratamento para o abuso de drogas e geração de renda, como fazia o programa ‘De Braços Abertos’ no governo de Fernando Haddad”, acrescentou. 

Homenagens

O teólogo e escritor Leonardo Boff também saiu em defesa do trabalho da Pastoral do Povo de Rua: “Janaina Paschoal mostrou no golpe contra a presidenta Dilma (Rousseff, em 2016, que perdeu a razão. Agora ocorreu algo pior: perdeu o coração. Quem perde o coração perdeu sua humanidade e o próprio Deus que sempre tem coração para os sofredores. Viva o padre Júlio”, escreveu em suas redes sociais. Na época advogada, Janaina foi contratada pelo PSDB para redigir o pedido de impeachment de Dilma, apesar de não haver indício de crime de responsabilidade. A peça foi assinada também pelos juristas Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo. Pelo trabalho, ela recebeu R$ 45 mil.

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) comparou os casos. “Enquanto Janaína Paschoal recebia dinheiro do PSDB pelo serviço de parecer no pedido de impeachment da presidenta Dilma, o Padre Júlio Lancelotti estava na rua alimentando os mais pobres e combatendo a crise humanitária em São Paulo”. Em solidariedade ao religioso, o parlamentar confirmou nesta segunda (9) a indicação de seu nome ao Prêmio Zilda Arns pela Defesa e Promoção dos Direitos da Pessoa Idosa do Congresso Nacional.

Redação: Clara Assunção