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Negro se apresenta mais cedo ao mercado de trabalho e sai mais tarde

Desigualdade racial também é notada no tempo de trabalho entre um negro e um não negro

Rodrigo Pinto

Jenifer Ferreira começou a trabalhar ainda criança ajudando o pai catador, hoje conquistou cargo de importância nacional e salário digno

ABCD Maior – Dedos apontavam: “Filha de preto, sucateira”. Desde os cinco anos, quando Jenifer Ferreira começou a ajudar o pai a recolher latinhas nas ruas de Santo André, ela sabia o que era trabalhar e qual o tipo de trabalho que a sociedade impunha às pessoas negras. Aos 13 anos, foi babá e começou a ganhar o próprio dinheiro, ou parte dele, porque a outra era para ajudar no sustento da família. A partir daí, outros trabalhos informais apareceram, até que aos 18 anos Jenifer se formou professora e os papéis se inverteram.

Este é um dos retratos da desigualdade racial. A pesquisa “Os negros no mercado de trabalho da região do ABC”, do Dieese e Seade, aponta que os negros começam a trabalhar mais cedo e demoram mais tempo para se aposentar. De acordo com o estudo, 75% dos negros estão ocupados entre os 16 e 24 anos, contra 72,7% dos não negros.

Já na faixa etária superior aos 60 anos, 22,5% dos negros estão trabalhando, contra 19% entre os não negros. “Essa taxa é tradicionalmente maior entre os negros pelo fato deles começarem a trabalhar cedo, mas há tendência de diminuição nessa diferença pelos incentivos da lei de cotas que aumenta a entrada do negro nas universidades e priorizar os estudos invés do trabalho precoce”, disse o economista, Alexandre Loloian, responsável pela pesquisa.

Imposição

A trajetória difícil percorrida por Jenifer Ferreira, de 28 anos, até se tornar professora foi, na sua visão, estimulante. “A sociedade quis me impor uma condição, mas eu lutei e sou uma vencedora, me orgulho das latinhas que peguei nas ruas, me orgulho do meu pai catador e minha mãe diarista”, afirmou. Atualmente, Jenifer é secretária da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e conquistou cargo de importância nacional e salário digno.

De acordo com a pesquisa do Seade e Dieese, os negros ganham 62,5% dos rendimentos médios reais dos não negros. Enquanto um trabalhador não negro ganha R$ 14,86 por hora, o trabalhador negro ganha R$ 9,28 desempenhando a mesma função.

Consumismo

O desejo de ter acesso aos produtos e lugares que os colegas consumiam levou Wellington da Silva Bento, 38 anos, para trás do balcão de uma farmácia em Santo André aos 13 anos. O adolescente trabalhava meio período e estudava. A rotina para acompanhar os passeios dos amigos o fizeram parar de estudar aos 16 anos.

“Eu ficava muito cansado e escolhi o trabalho. Meus pais não tinham condição de me dar dinheiro então preferi ficar com meu emprego”, relatou. A consciência de que precisava concluir os estudos veio quando o jovem tentou empregos melhores e não passava porque não tinha o ensino completo. Passada essa etapa, a desigualdade racial apareceu quando Wellington passou de auxiliar de serviços gerais para operador de máquinas em uma montadora da Região, mas o salário era abaixo dos demais trabalhadores não negros. Wellington hoje ocupa a coordenação do grupo de trabalho de Igualdade Racial no Consórcio de Prefeitos do ABCD.

O coordenador da Comissão de Combate ao Racismo dos Metalúrgicos do ABC, José Laelson de Oliveira, aponta a importância de os negros terem consciência da origem para identificar desigualdade e racismo. “Muitos não querem que classes consideradas inferiores pensem, por isso buscamos oferecer informações para que as pessoas não sejam ferramentas de manobra política, e sim interlocutoras para as mudanças acontecerem”, disse.