Condições desumanas

Moraes vê omissão do Estado com a população em situação de rua e proíbe remoção forçada

Ao atender liminar, ministro do STF também vetou o recolhimento forçado de bens e pertences e determinou que o governo federal, estados e municípios tomem providências para implementar a Política Nacional para a População em Situação de Rua

Fabio Rodrigues-Pozzebom/ABr
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ABr
Moraes concedeu liminar à ADPF 976 ajuizada pela Rede Sustentabilidade, Psol e MTST em 2022

São Paulo – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu quatro meses para o governo federal, os estados, o Distrito Federal e os municípios apresentarem um plano de implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. A determinação consta de decisão liminar concedida ontem (25), referente à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, ajuizada pelos partidos Rede Sustentabilidade, Psol e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Na ação, os autores apontam que a “conjuntura precária vivida pela população em situação de rua decorre de omissões estruturais e relevantes do poder público”. De acordo com eles, por falhas do Poder Executivo, em seus três níveis federativos, mas também do Legislativo.

Ao proferir sua decisão, o ministro também determinou que os governos estaduais e municipais não podem realizar a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. Também está proibido o recolhimento forçado de bens e pertences, constantemente denunciado pela população sem-teto. Em São Paulo, por exemplo, apesar do decreto municipal 59.246, de 2020, que torna ilegal a retirada de pertences pessoais dessa população, há relatos de pessoas que perderam documentos, roupas e até medicamentos.

Violação de direitos humanos

Moraes estabeleceu que os governos devem anunciar previamente quando forem realizar ações de “zeladoria urbana”. Deverão ser informados dia, horário e local para que as pessoas em situação de rua possam recolher seus pertences antes da limpeza no local. Também fica vedada a utilização de técnicas de “arquitetura hostil”, que visam impedir o acesso dessa população a espaços públicos. A União e os governos estaduais e municipais terão de apresentar um “diagnóstico pormenorizado da situação”, com o número de moradores e de vagas em abrigos.

“A violação maciça de direitos humanos, a indicar um potencial estado de coisas inconstitucional, impele o Poder Judiciário a intervir, a mediar e a promover esforços na reimaginação de uma estrutura de enfrentamento para as mazelas que, lastimavelmente, caracterizam uma determinada conjuntura, tal qual aquela que se apresenta”, justificou o ministro.

As medidas a serem implementadas deverão ser acompanhadas pelo Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, de acordo com o magistrado. A decisão ainda chamou atenção para divulgação de alertas meteorológicos, por parte das defesas civis de todos os entes federativos, e a disponibilização imediata de barracas para pessoas em situação de rua “com estrutura mínima compatível com a dignidade da pessoa humana”.

Invisibilidade

O ministro ressaltou que, apesar da política nacional estar em vigor desde 2009, apenas cinco estados e 15 municípios aderiram até 2020. “Esse grupo social permanece ignorado pelo Estado, pelas políticas públicas e pelas ações de assistência social. Em consequência, a existência de milhares de brasileiros está para além da marginalização, beirando a invisibilidade”, afirmou.

Para os autores da ação, apresentada no ano passado, existe um aumento significativo do número de pessoas em situação de rua, e não há política pública eficaz de atendimento. Em paralelo, também falta um censo sobre essa população. De acordo com Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2022, a população de rua já superava 281 mil pessoas, equivalente à do município de Governador Valadares, a nona maior cidade de Minas Gerais. Um aumento de 38% em relação a 2019.

Redação: Clara Assunção