Segurança na pauta

Lula relança programa de segurança com foco na violência de gênero: ‘Não precisa só de polícia, mas de Estado’

Criado em 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, abandonado nos últimos anos, foi retomado como a principal proposta do governo para enfrentar todos os tipos de violência no país

Ricardo Stuckert/PR
Ricardo Stuckert/PR
De acordo com o ministro da Justiça, Flávio Dino, Pronasci é a "solução" da "aparente contradição" entre segurança ser mais polícia ou social. "É as duas coisas ao mesmo tempo e uma não vive sem a outra", defendeu.

São Paulo – Em meio aos ataques criminosos no Rio Grande do Norte e ao aumento de todas as formas de violência contra as mulheres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou, nesta quarta-feira (15), a nova edição do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Criado em 2007, em seu segundo mandato, o Pronasci estava fora de funcionamento nos últimos anos e foi retomado oficialmente agora como a principal proposta do governo para a área de segurança pública e enfrentamento da violência de gênero. 

De acordo com o presidente, a expectativa com o programa é fortalecer o papel do Estado. Ao assinar em cerimônia hoje o decreto que regulamenta a Lei 11.530 de 24 de outubro de 2007, o petista comentou que nunca entendeu a descontinuidade do Pronasci. 

“Ele não é um projeto de segurança pública apenas pensando na polícia. Na verdade, a gente pensa no papel do Estado. Primeiro (porque) quanto mais polícia se necessita, significa que menos Estado você tem. Na periferia, nas cidades pequenas e nos lugares em que a polícia está, o Estado deveria estar presente com saúde, educação, cultura, lazer, tudo aquilo que a sociedade precisa para viver bem”, destacou Lula.

‘Estado deve cuidar’

Segundo o presidente, a retomada do Pronasci visa enfrentar o problema da segurança pública no país garantindo cidadania. Nesse sentido, ele reforçou a importância de ações transversais, da formação e proteção dos policiais e criticou políticos que “não percebem que perto da casa dele tem uma criança dormindo sem um copo de leite”. Lula questionou a superlotação nos presídios e defendeu um mutirão para garantir o direito de defesa aos que não tiveram essa garantia prevista em lei. 

“Queremos a cadeia cheia de gente que cometeu crime e não gente inocente como temos hoje em nosso país”, apontou. “O Estado não pode continuar omisso aos problemas da sociedade, o Estado precisa cuidar. Por isso vamos investir na escola de tempo integral para que ele (jovem) esteja mais seguro do que brincando numa rua que ele não tem segurança nenhuma. Vamos ter que fazer muitos programas para educar os homens de que a mulher não foi feita para apanhar e que esse cidadão que bate tem que ser punido”, discursou. 

“E, sobretudo, temos que trabalhar na perspectiva de salvar a periferia desse país. É na periferia que está grande parte da nossa juventude, com potencial cultural e profissional extraordinário, mas que não tem condições de sobreviver porque são pegos de surpresa por uma bala perdida, por uma operação policial em que aparecem 20 e 30 mortos, sem sequer as pessoas sejam julgadas”, completou o presidente. 

Eixos do Pronasci 2

O Pronasci será coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública a partir de cinco eixos prioritários. O primeiro deles, de combate à violência contra as mulheres e redução das taxas de feminícidio. A repressão aos crimes de gênero teve início já nesta quarta com a entrega de 270 viaturas para as patrulhas Maria da Penha e a implementação de 40 novas Casas da Mulher Brasileira, locais de acolhimento de vítimas da violência de gênero.

O ministro da pasta, Flávio Dino, explicou que as viaturas e as Casas permitem que as medidas protetivas saiam do papel e deem eficácia à Lei Maria da Penha. As chaves foram entregues de maneira simbólica para a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e a governadora interina do Distrito Federal, Celina Leão (PP), presentes na cerimônia.

A iniciativa do governo para a segurança também conta com o combate ao racismo estrutural, segundo ponto central. Além do apoio às vítimas de violência, na sequência, políticas para presos, pessoas privadas de liberdade e egressos como previsto na Lei de Execução Penal e, em quinto, a atuação nos territórios, a exemplo do ocorreu no bairro Guajuviras, em Canoas, no Rio Grande do Sul que registrou uma queda de 53,6% nos homicídios na região, que era conhecida como “Bagdá gaúcha”, entre 2009 e 2013, após a implementação do Pronasci. 

Durante a cerimônia de lançamento, Dino destacou o programa como “a junção e a solução de um antigo problema que tínhamos na cabeça, nós da esquerda: segurança é policial ou social? E com o Pronasci resolvemos dialeticamente, eu diria, essa aparente contradição. É claro que são as duas coisas, ao mesmo tempo, e uma não vive sem a outra. E por isso que eu estive lá (no Complexo da Maré, favela do Rio de Janeiro), vou voltar e vou no Salgueiro (também no Rio). Por isso temos o compromisso de construir a política de segurança com a luta social, com o movimento cultural e do esporte”, explicou Dino. 

Gênero e raça na prioridade

A coordenadora do Pronasci, Tamires Sampaio, também advogada, ressaltou que o debate da segurança pública precisa estar alinhado à garantia e proteção à vida. De acordo com ela, esse será o papel do programa que também investirá na formação e profissionalização dos agentes das forças de segurança. A previsão é que a Bolsa Formação do Pronasci 2 contemple 20 mil profissionais com um subsídio mensal no valor de R$ 900. 

“O Pronasci constrói uma noção de fortalecer os agentes de segurança, os nossos equipamentos de segurança. Mas é garantindo que a população tenha acesso à educação e à cultura, que a gente vai de fato garantir que os índices de violência e criminalidade no país mudem”, observou Tamires. 

“Nosso primeiro foco é o enfrentamento da violência contra a mulher. E isso não é à toa num país em que a cada 6 horas uma mulher é assassinada e que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Não dá para falar de democracia assim. O combate ao racismo estrutural é também um eixo central, porque um país em que a maioria da população é negra, e mais de dois terços da nossa história foram marcados pela escravidão, é fundamental pautar a questão de raça na construção de políticas de segurança”, garantiu a coordenadora. 

Sem demagogia

Ainda sem uma rubrica específica, os recursos para Pronasci neste ano serão oriundos do Fundo Nacional de Segurança Pública, vinculado ao Ministério da Justiça. Flávio Dino conclui, contudo, que a medida, diferente do governo Bolsonaro, não faz “demagogia ou violência simbólica”. Ou ainda “captação de votos com o terror”. “O medo é um dos traços do fascismo e nós somos profetas da esperança e construtores da paz. Viva o Pronasci”, defendeu o ministro.