Destruição

Falta d’água dificultou trabalho de bombeiros durante incêndio em favela de São Paulo

Vídeo mostra que hidrantes não funcionaram devido a racionamento na região do Buraco Quente. Moradores associam valorização imobiliária à repetição de episódios que resultam em expulsão

Reprodução/ CMI

Bombeiro afirma não ter água nos hidrantes da região, durante incêndio que deixou centenas de desabrigados

São Paulo – Um vídeo divulgado pelo Centro de Mídia Independente reforça denúncias de moradores da favela Buraco Quente, na zona sul de São Paulo, de que a falta d’água prejudicou o combate ao incêndio ocorrido no último domingo (7). As imagens mostram um bombeiro conversando com pessoas que estavam no local na noite dos fatos.

“Todos os hidrantes de São Paulo são A, esse é B, eu não tenho chave pra abrir. (…) A gente quebrou pra tentar tirar a água, o hidrante na rua de trás, chegamos lá e não tem água. No outro não tem água, no outro não tem água. Não tem água nas casas, não tem água no hidrante.”

Cerca de 600 moradias foram destruídas pelo fogo. Moradores, que já sofreram com incêndios em 2004 e 2012, além de desapropriações para a construção da Linha 17 – Ouro do Metrô, reclamaram que os hidrantes instalados pela Sabesp não estariam operantes, em consequência da falta de água na região, uma das muitas afetadas pelo racionamento não oficializado que ocorre no estado.

A assessoria de imprensa dos bombeiros afirmou não ter nenhuma informação sobre o uso ou sobre dificuldades com os hidrantes durante o incêndio. Procurada pela RBA para falar sobre eventuais problemas de abastecimento da região, a Sabesp não respondeu até o fechamento da reportagem. Após a publicação, a assessoria encaminhou uma nota na qual afirma que “não houve falta de água no combate ao incêndio na Favela do Piolho. Conforme as imagens de TV e o relato do responsável pelo Corpo de Bombeiros, o abastecimento estava garantido no local”, e que a manutenção dos hidrantes é responsabilidade da prefeitura de São Paulo.

A moradora Neia Arantes, em entrevista à Rádio Brasil Atual, também relatou problemas com os hidrantes. “Não funcionou, como da outra vez, tivemos incêndio em 2012. Os bombeiros não tinham a chave pra abrir, só a Sabesp tinha. A Sabesp demorou pra vir, quando chegou não conseguia abrir. Não tinha água, acabou a água.

Imagens do local mostram a intensidade do fogo, moradores tentando salvar parte de seus pertences e todo o cenário de destruição que se repete na favela. As desapropriações e o incêndio de 2012 que resultaram no alto número de moradias de madeira, a precariedade das instalações elétricas e o tempo seco são fatores que favorecem o acontecimento de uma tragédia como esta. Mas a suspeita de que o ocorrido não tenha sido acidental é recorrente, já que a região é valorizada e alvo de projetos públicos e privados. Neia relembra que “é a terceira vez em época de eleição que acontece incêndio” e que, por ser uma região muito valorizada, “ninguém quer as comunidades” ali, mas reforça que é preciso investigação para saber as causas reais.

“Quando falamos que a especulação está por trás dos incêndios não estamos querendo dizer que construtoras e incorporadoras acenderam um fósforo, queimaram as favelas e construíram um prédio no lugar – isso é uma simplificação grosseira” opina Conrado Ferrato, jornalista e produtor do documentário Limpam com Fogo, em entrevista à Carta Capital, em junho deste ano. “É algo mais sutil. Pense que um bairro que vem se valorizando está passando por muitas obras, que atraem mais interesses para essa região. Esses interesses envolvem coisas como melhorias de mobilidade, lazer e segurança – esse último quase sempre se traduz em uma vigilância sobre as favelas da região. Essa vigilância impede a consolidação dessas comunidades, que mantêm um caráter construtivo precário, com paredes de papelão e madeira e alta densidade de moradias, todos os fatores que contribuem para um grande incêndio. Não se trata de tacar fogo, mas de deixar queimar.”

As negociações com o governo estadual para o recebimento de indenizações pelas desapropriações, que se arrastam há anos, trazem à tona a falta de transparência e o desrespeito do governo do estado de São Paulo em relação às famílias da região. Em 2012, foram relatados casos de funcionários do Metrô que, simplesmente, colocam uma marcação na parede da casa e informam que a moradia será removida devido às obras.