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Eleição para conselhos participativos é desconhecida da população paulistana

Questionado, Haddad responsabiliza secretário. Associações de moradores dizem que falta de divulgação facilita domínio de grupos organizados

Marcelo Camargo/ ABr

Desinformação pode levar a representatividade pouco expressiva e enfraquecer mobilização dos movimentos populares

São Paulo – Movimentos sociais e associações de moradores consideram que a divulgação do processo eleitoral para os Conselhos Participativos das subprefeituras em São Paulo tem sido precária. Segundo os ativistas, não há nenhum tipo de divulgação e somente quem está envolvido em atividades sociais sabe que a ação está em andamento. Nas sedes das regionais, há cartazes e folhetos sobre o processo e não é difícil conseguir a ficha de inscrição. Mas as orientações deixam muito a desejar.

Ao todo, a cidade terá 32 conselhos populares, com 1.125 representantes eleitos diretamente pela população. Sua função será auxiliar no planejamento, na fiscalização e nas ações da prefeitura. O decreto de criação dos conselhos foi assinado em 1º de agosto pelo prefeito Fernando Haddad (PT). Cada subprefeitura terá entre 19 e 51 conselheiros eleitos pelo voto direto e facultativo em cada distrito da cidade. Os conselhos foram recebidos como avanço democrático pelos movimentos sociais e organizações que atuam sobre direitos e cidadania, após oito anos de militarização das subprefeituras.

O coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Anderson Lopes Miranda, acredita que os grupos organizados tendem a dominar o processo, afastando o cidadão comum dos conselhos. “Muitas vezes as pessoas deixam de participar das coisas e não é que não querem, é porque não se comunica que vai fazer”, afirmou.

Para Miranda, não se trata de divulgar na televisão em horário nobre, mas de chegar ao maior número de pessoas. “Não precisa colocar no horário da novela. Podia fixar cartazes em ônibus, em unidades de saúde, escolas. Outra saída seria fazer pequenos folhetos e divulgar pelos bairros”, sugeriu.

A RBA visitou duas subprefeituras: Vila Maria e Sé. Em ambas a divulgação se restringe a um cartaz no painel de avisos e a um folheto disponível na recepção.

Na Vila Maria, ao solicitar detalhes de como proceder com a inscrição, a recepcionista disse que não sabia o funcionamento do processo. E que a pessoa responsável pela orientação não estava presente, embora o painel de avisos informasse que ela deveria estar presente naquele dia e horário. A atendente pediu que retornássemos com os documentos necessários em outro momento, para daí receber a ficha de inscrição e a lista de apoiadores.

Na Sé, fomos orientados inicialmente a buscar os documentos de inscrição e apoio na página dos conselhos participativos na internet. Diante da insistência da reportagem, recebemos a ficha de inscrição. Porém, a atendente teve dificuldade em nos conseguir a lista de apoiadores e orientou a imprimir uma folha onde pudéssemos colocar nome, telefone, número de documento e assinatura daqueles que apoiassem a candidatura.

A RBA questionou aleatoriamente 20 pessoas que saíam das sedes regionais e nenhuma soube responder do que se trata a eleição do Conselho Participativo Municipal.

Para se candidatar, o interessado precisa ter 18 anos, documento com foto e o apoio de pelo menos 100 pessoas, manifestado em lista de assinaturas. Os conselheiros eleitos terão mandato de dois anos, com possibilidade de uma reeleição. Não haverá remuneração nem vinculação empregatícia com a prefeitura. Não poderá se candidatar quem estiver participando de alguma Comissão Eleitoral nas subprefeituras, ocupando cargo em comissão no poder público ou exercendo mandato parlamentar.

As subprefeituras vão receber inscrições até o dia 7 de outubro e os nomes dos candidatos serão divulgados dia 28 de outubro.

O presidente da Associação de Moradores do Recanto Cocaia, Juarez Ribeiro, afirma que não houve qualquer ação de divulgação da eleição pela subprefeitura da Capela do Socorro, na zona sul da cidade. “Eu me inscrevi porque acompanho as ações da prefeitura e sabia que estava ocorrendo. Mas não há qualquer divulgação pela região”, explicou. O Recanto Cocaia fica no distrito do Grajaú, uma das regiões mais populosas de São Paulo. “Lá na subprefeitura tem um cartaz. Mas, mesmo que fosse suficiente, pouca gente vai até lá”, considera.

Na Associação de Moradores do Jardim Real, na área da mesma subprefeitura, a avaliação é a mesma. “Eu fiquei sabendo hoje (23), porque participei de uma reunião com outros líderes comunitários onde havia membros da subprefeitura que comentaram e perguntaram se não tínhamos interesse em nos candidatar”, disse o presidente, Sebastião Xavier. “Mas no bairro ninguém está sabendo disso, não”, afirmou. As inscrições foram abertas em 7 de setembro.

Na zona leste a situação se repete. Membro do grupo Cultura ZL, que reúne ativistas de diversas expressões artísticas, o grafiteiro Vander Guedes afirma que não soube dos Conselhos Participativos na subprefeitura de Ermelino Matarazzo, onde reside. “Soubemos do processo por acaso, durante um encontro para propor um evento cultural na zona norte da capital”, explicou. “As inscrições estão ocorrendo há duas semanas e a gente que está sempre por aí não sabia. A população que não está engajada vai ficar de fora”, conclui.

No lançamento dos conselhos, em 1º de agosto, o prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou que daria ampla publicidade ao processo para garantir participação de toda a sociedade paulistana e não somente de grupos organizados. “Se a gente não fizer nada, pouca gente vai participar e a gente pode até saber com antecedência quem será eleito”, disse Haddad.

Questionado novamente sobre o processo de divulgação das eleições para os conselhos, ontem (23), Haddad demonstrou que não acompanhou o processo. “De TV, não. Foi feito um trabalho junto às subprefeituras. Até porque é caro. O João Antonio pode dizer como foi. Eu, não”, disse o prefeito.

João Antonio da Silva Filho é o secretário de Relações Governamentais. Procurada, a assessoria de comunicação informou que serão tomadas tomar providências sobre a divulgação, instalando faixas na fachada das subprefeituras ainda esta semana. E que vai ampliar o processo de divulgação para informar o maior número de pessoas das eleições em 8 de dezembro.

No início, a prefeitura estabeleceu que não seria preciso apresentar título de eleitor para concorrer a uma vaga nos conselhos, nem para votar nas eleições. A atitude foi comemorada por diversos setores, por contemplar a população em situação de rua e os migrantes.

Porém, um convênio estabelecido com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo, para realização da eleição nas zonas eleitorais convencionais, mudou os planos. Segundo a Secretaria Municipal de Relações Governamentais, responsável pelo processo de eleição dos conselhos, o órgão necessita dos números dos títulos eleitorais para realizar o processo e evitar fraudes.

O coordenador da Rede Nossa São Paulo Maurício Piragino, disse que foi sugerida, para a prefeitura, uma campanha no rádio e nas emissoras de TV que operam nos ônibus e Metrô, desde o processo de candidaturas, e não somente para as eleições. Ele afirmou que haverá uma reunião entre o Grupo de Trabalho sobre Democracia Participativa da rede e representantes da prefeitura na próxima quarta-feira (25), e que o grupo pretende pressionar pela ampliação da divulgação das eleições para os conselhos.

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