Sem punição

Projeto de instituições brasileiras e inglesas vai retomar apuração dos Crimes de Maio

Nova investigação, a partir de projeto de fortalecimento da antropologia e arqueologia forenses, pode apoiar federalização

reprodução/mãesdemaio

Cerca de 500 assassinatos ocorreram em revide das polícias paulistas contra os ataques do PCC

São Paulo – Os cerca de 500 assassinatos ocorridos no revide das polícias paulistas contra os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), entre 12 e 22 de maio de 2006, conhecidos como Crimes de Maio, serão reanalisados em um projeto lançado hoje (4) pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o movimento de familiares de vítimas da violência do Estado Mães de Maio e organizações de pesquisa científica, em parceria com as organizações britânicas Newton Fund e British Council. Os casos serão analisados por meio de relatos de familiares, boletins de ocorrência e laudos periciais, o que pode auxiliar no pedido de federalização feito pelas famílias há sete anos.

O coordenador do Centro de Arqueologia e Antropologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Rimarcs Ferreira, disse que pode ser requisitado até a exumação de corpos. “Vamos demonstrar que não foram atendidos todos as demandas para efetivar a investigação. Todos os casos serão revisitados e isso poderá amparar o pedido de federalização”, explicou.

A federalização é a assunção da investigação por um ente de esfera superior na federação, por conta de os órgãos onde ocorreram os casos se demonstrarem incapazes de realizar a investigação.

Para João Inocêncio Correia de Freitas, membro do Movimento Mães de Maio e pai do estudante Mateus Andrade Freitas, morto em maio de 2006, a esperança de vencer a impunidade se reforça a cada nova ação sobre os crimes de maio. “Como 493 pessoas são assassinadas em duas semanas e ninguém faz nada? A polícia não investiga. O Ministério Público arquiva tudo. Vamos participar ativamente deste processo e esperamos que nos leve a uma resposta”, afirmou.

Para as Mães de Maio, é importante que elas possam participar de todo o processo, pois já houve vários processos que acabaram sem resposta, tornando a situação mais angustiante. “Já teve relatório da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e nada. Já teve audiência no Conselho Nacional do Ministério Público e nada”, criticou Freitas.

O projeto compreende um pacote de ações de capacitação de agentes públicos de saúde e assistência social, para atendimento psicológico a vítimas da violência do Estado, além de ações voltadas para fortalecimento de profissionais de antropologia forense. O centro da Unifesp será o centro de capacitação e revisão dos crimes de maio, em parceria com a Universidade de Oxford, da Inglaterra.

“Esperamos que o resultado deste trabalho estabeleça uma ponte entre passado e presente, visto que as violências não cessaram com transição democrática”, afirmou o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão. “Tanto na ditadura como agora os desaparecimentos só são possíveis pela colaboração de órgãos como o Instituto Médico-Legal e as polícias”, acrescentou a presidenta da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga.

Para ela, é fundamental substituir a investigação policial por metodologia forense nos casos de vítimas da violência do Estado. E esse projeto é a oportunidade de estabelecer o primeiro centro forense do país, que poderia auxiliar governos, órgãos públicos, organizações não-governamentais e familiares de vítimas. “Em 2006, pedimos que médicos da Unicamp auxiliassem os trabalhos do IML de Santos, que estavam recebendo 100 mortos por dia. Ao constatar-se que havia especialistas externos ali, os crimes para dez no dia seguinte”, disse Eugênia.

O secretário de Direitos Humanos, Rogério Sottili, aproveitou o evento para lembrar que o país completou, na semana passada, 52 anos do golpe que derrubou o governo João Goulart. E que se corre o risco de um novo golpe à democracia. “Hoje temos nas ruas pessoas que pedem a volta da ditadura. Não podemos flertar com essa ideia. Isso decorre de não termos ainda elaborado complemente o processo de transição e ainda conviver com a violência do Estado, que mata nossos jovens.”