Problemas crônicos

‘Capitalismo liberal é fabricante da miséria’, afirma padre Júlio

Em conversa com o jornalista Juca Kfouri, para o “Entre Vistas”, da TVT, padre Júlio Lancellotti falou sobre solidariedade e caminhos para equidade

Reprodução/TVT
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"Exija que o poder público faça mais. Mas o Estado não substitui o amor, o amor não vem pela lei, vem pela liberdade de amar"

São Paulo – O jornalista Juca Kfouri conversou esta semana com o padre e pedagogo Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, para o programa Entre Vistas, da TVT. Em pauta, temas relevantes do Brasil e do mundo e, particularmente, da cidade de São Paulo. Solidariedade, caridade e equidade, igualdade material, são bandeiras do padre Júlio, que há anos trabalha para ajudar a população de rua na maior cidade do Brasil.

Para o pároco dos pobres, a desigualdade é a principal razão para a existência de tantas pessoas em situação desumana nas cidades brasileiras e de boa parte do mundo. “Nos últimos dois anos, ocorreu um aumento de 300% nos despejos. Temos um déficit habitacional de 6 milhões de moradia. Ao mesmo tempo temos 11 milhões de propriedades vazias, fruto da especulação imobiliária”, lembrou Juca.

“O grande fabricante da miséria, do descarte, da pobreza, do aumento do número de pessoas pelas calçadas da cidade tem um nome. Chama desigualdade. É a lógica do sistema capitalista neoliberal. Contudo, isso não vem de mim. É dito pelo papa Francisco. A lógica do capitalismo liberal é o descarte que vem da desigualdade. Essa é uma luta ampla. Vamos fazendo chegar o alimento, garantindo saúde, condições de vida para lutarmos contra a desigualdade que é intolerável”, respondeu padre Júlio.

Padre Júlio e ação concreta

Defensor dos direitos humanos, padre Júlio é conhecido por ações concretas e ativas na defesa dos miseráveis. Nesta semana, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) regulamentou a lei que leva o nome do religioso. A iniciativa proíbe a chamada arquitetura hostil, ou seja, instalações de prefeituras que visam proibir ou machucar aqueles que buscam abrigo em baixo de pontes, por exemplo. Então, o presidente recebeu o pároco no Planalto em um evento em que ambos exaltaram a retomada da importância da questão da população de rua no país, após anos de descaso de governo Bolsonaro.

O vigário afirma que “podemos ter milhões de pessoas comprometidas. Então, vamos nos comprometer, cada um de nós neste final de ano, para que estejamos alerta. Então, não despreze seu irmão, não mude de calçada, não vire o rosto. Ofereça um copo de água para o catador, para o varredor, para as crianças nas ruas. Ofereça um olhar, uma palavra, um gesto. Cada um pode dizer que pode pouco, mas faça o que pode. E exija que o poder público faça mais. Mas o Estado não substitui o amor, o amor não vem pela lei, vem pela liberdade de amar”.

Calor e rua

A situação é ainda mais delicada devido ao cenário de emergência climática. Ondas de calor atingem com frequência grandes cidades e expõem aos perigos, especialmente pessoas em situação de rua. Então, padre Júlio pede atenção a isso. “A pessoa na rua fica desidratada. Nesta semana, acompanhamos com muito cuidado, uma mulher que tomou café da manhã conosco. Ela carregava um embrulho no colo. Era uma criança de 15 dias em um calor de 38 graus com a mãe no farol. Pedi que ela voltasse para acompanhar, inclusive, o aleitamento. Essa criança não se movimentava. Entramos prontamente na emergência, e a médica disse que mais um minuto ela morreria. Ele está na UTI pré-natal. Ela morreria por falta de água”, contou.

“As pessoas de rua não têm acesso à água potável. Desidratam, especialmente idosos e crianças. As duas pontas da existência. Perecem rapidamente. Então, o que é assombroso é que essas pessoas morrem e não aparece que morreram por calor ou frio. Morreram porque não tiveram cuidados necessários, não tiveram espaços. Alertamos a Prefeitura sobre altas temperaturas. De algumas ondas para cá, eles abriram tendas com água, frutas e ambientes mais ventilados. A desidratação faz a pessoa perecer. Essa criança marcou muito”, completou seu relato padre Júlio.

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