eleições 2016

Atuação do município em segurança pública é limitada e deve priorizar prevenção

Para especialistas, debate no Brasil sobre o papel das prefeituras na área é associado à questão policial, mas gestões municipais podem usar “grande potencial preventivo” das guardas

arquivo prefeitura sp

GCM deve ter papel de prevenção e trabalho comunitário: solução de conflitos e prestação de serviços públicos

São Paulo – A segurança pública é um dos temas mais presentes nos debates entre candidatos às prefeituras. O grau de preocupação das populações com a violência é alto. Pesquisas indicam ser o segundo tema que mais preocupa o cidadão, atrás apenas da saúde. Mas a atuação da municipalidade nesse campo é limitada, a começar da própria Constituição Federal. Fora a necessidade de politizar o assunto, para que o cidadão entenda essa limitação, especialistas consideram que existem iniciativas e políticas públicas essenciais a serem adotadas pela gestão municipal.

O assessor para advocacia do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, destaca a necessidade de se mudar os parâmetros culturais que envolvem o tema. “O debate no Brasil é muito associado à questão policial. Há uma tendência a tratar o tema na dimensão policial, mas a questão é muito mais ampla”, diz. Por outro lado, é importante que haja uma cooperação federativa para obter resultados efetivos, já que a segurança é vinculada a todos os entes da federação.

Angeli observa que a Constituição de 1988 “apresenta grande lacuna” sobre a questão. “Há um único artigo que trata do tema.” O artigo 144 diz apenas, no parágrafo 8º, que “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações”. Já a Lei 10.826/2003, que regulamenta o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), autoriza os integrantes das guardas municipais dos municípios com mais de 50 mil habitantes a usar armas de fogo.

Pelo fato de serem associadas ao papel de polícia, as guardas civis municipais estão no centro do debate. O problema é que, embora importante, a guarda não deve exercer o mero papel de polícia. “Nossa perspectiva em relação à guarda municipal é que ela não seja uma segunda PM. Já há uma séria dificuldade no Brasil quanto à integração entre polícias Militar e Civil (ambas de competência estadual), que em tese deveriam ser integradas, mas a gente sabe que isso não acontece”, diz Angeli.

Para ele, assim como para o cientista político Guaracy Mingardi, o papel da guarda municipal deve ser o de prevenção e trabalho comunitário. De acordo com Angeli, a GCM tem “grande potencial preventivo” e deve utilizar metodologias de solução de conflitos e prestação de serviços públicos. “Ela precisa compreender um determinado território, em um bairro, em dada comunidade, quais vulnerabilidades existem, os riscos no território, e ser um agente articulador de outros serviços municipais”, avalia.

Mingardi, ex-secretário para Assuntos de Segurança Pública na gestão de Elói Pietá (PT) em Guarulhos, iniciada em 2001, defende que a guarda municipal esteja próxima da população, conheça o cotidiano das pessoas e faça policiamento preventivo. “O papel da guarda é fazer policiamento comunitário, o que na prática dificilmente ocorre. Se o prefeito não interferir politicamente para dar um rumo, vai ter um comandante que vai querer transformar aquilo numa polícia, vai criar canil, criar a banda, tudo o que não precisa. Por isso tem de ter um comando político para dar diretriz.”

Na opinião do ex-secretário de Guarulhos, mesmo onde atualmente há polícia comunitária, ela não atua como tal. “Fazem contato com comerciantes, por exemplo, mas não com a população pobre, o trabalhador, a molecada.”

Na opinião do ex-secretário, é fundamental um órgão municipal – como um conselho municipal de segurança – responsável por concentrar o debate e promover uma agenda entre agentes municipais, o comando da guarda municipal, da Polícia Militar, Polícia Civil, representantes do comércio e da comunidade.

Como a violência é “um fenômeno complexo e multifatorial”, que se relaciona praticamente com todas as áreas da gestão pública, Felippe Angeli também acredita ser necessário haver um órgão na prefeitura que reúna os cidadãos e a sociedade organizada e tenha ligação com o prefeito. “Para isso, é preciso uma liderança política forte. O órgão tem de liderar as iniciativas e deve contar com a liderança do prefeito, dentro de uma lógica envolvendo diversas áreas de atuação, como saúde, educação, questões urbanas etc., que influenciem na segurança pública de forma ampla.”

Esse é um dos quatro eixos de uma agenda, lançada no final de agosto, em parceria do Instituto Sou da Paz com o Instituto Igarapé (RJ) e o Instituto Fidedigna (RS). A agenda é dirigida a cidades médias e grandes e trata da construção de uma segurança pública “cidadã” no contexto das eleições municipais.

Políticas públicas

As políticas urbanas têm relação direta com a segurança pública. Iluminar o espaço público ou murar os terrenos baldios, medidas simples, têm efeito direto na diminuição da violência.

Tornou-se paradigmática a chamada “teoria das janelas quebradas”, ou broken windows theory, de Nova York, como ficou conhecido um estudo do cientista político James Q. Wilson e do psicólogo criminologista George Kelling. Em 1982, eles publicaram o estudo “The Police and Neighborhood Safety” (A Polícia e a Segurança do Bairro).

O estudo concluiu que a janela quebrada (broken window, em inglês) de uma casa, um escritório ou uma fábrica “contamina” a vizinhança, assim como ruas esburacadas e praças abandonadas provocam na comunidade o sentimento de abandono e ausência da presença do Estado. Segundo a teoria, esse sentimento resulta em mais janelas quebradas e depredações e, consequentemente, na decadência do bairro e violência. Nesse sentido, políticas públicas são a prevenção tanto da violência quanto da cultura da repressão.

O deputado estadual de São Paulo Carlos Giannazi (Psol), ex-diretor de escola pública e professor universitário, destaca como essenciais em termos de políticas públicas o “investimento pesado em cultura para crianças e adolescentes”. Ele defende que haja pelo menos uma casa de cultura e biblioteca por distrito, e não apenas por subprefeitura, assim como áreas de esportes e lazer. “A arte é transformadora e evita que muitos jovens entrem no crime. Precisamos de oficinas de cultura, de cinema, teatro, música, arte, dança, tudo isso dá perspectiva para o adolescente.”

Para Giannazi, a Guarda Civil Metropolitana, no caso de São Paulo, deve ser usada para amenizar a violência nas escolas municipais, postos de saúde, bibliotecas e casas de cultura. “Isso ajudaria na prevenção à violência.”

Estatuto do desarmamento

Se a pressão hoje existente no país para revogar o Estatuto do Desarmamento for bem sucedida, esse será um novo dado que incentivará os problemas da segurança pública e certamente aumentará a violência. “Infelizmente, no Brasil, há uma empresa poderosa produtora de armas de fogo, que atua em regime de monopólio e é a única empresa autorizada a funcionar no Brasil nesse mercado, exceto quanto a armamentos militares e estatais”, diz Felippe Angeli.

“Essa empresa financia parlamentares e esses buscam revogar o estatuto. Agem apoiados naquele discurso de endurecimento penal, de que bandido bom é bandido morto e tentam inculcar na cabeça da população que todos somos Rambo ou Charles Bronson, que os cidadãos de bem do planeta devem eliminar os maus. Esse populismo penal é um discurso irresponsável que influencia muitas pessoas”, diz. “Não há estudo científico sério produzido em qualquer lugar do mundo que estabeleça uma melhoria da segurança pública a partir do aumento da circulação de armas de fogo.”