violência policial

Ato homenageia vítimas pós-ditadura do Estado brasileiro em São Paulo

Na semana em que se completam nove anos dos Crimes de Maio de 2006, o Movimento Mães de Maio reúne familiares de vítimas de várias regiões Brasil para exigir justiça

Rogerio Cavalheiro/Futura Press/Folhapress

Familiares espalharam fotos dos filhos mortos na escadaria da Catedral da Sé, pedindo punição aos assassinos

São Paulo – Familiares de vítimas do Estado brasileiro reuniram-se hoje (15), na Praça da Sé, centro de São Paulo, para exigir a punição dos agentes públicos que mataram seus filhos e o fim da “licença para matar”. “Esperamos muito além de justiça. Queremos que a morte dos nossos filhos não seja em vão. Meu filho não volta mais, mas o Brasil tem de parar de ser uma fábrica de cadáveres de jovens pobres, negros e periféricos. Tem de parar de matar esses jovens”, clamou Débora Maria Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio.

O ato também lembra os nove anos dos chamados “Crimes de Maio”, quando pelo menos 505 pessoas foram assassinadas entre os dias 12 e 20 daquele mês, em 2006, durante ação para o restabelecimento da ordem realizada pelas polícias Militar e Civil paulistas, após os atentados cometidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

O filho de Débora, o gari Edson Rogério da Silva, foi morto em 16 de maio de 2006, próximo à casa dela. O caso foi arquivado a pedido do Ministério Público (MP). “Nós lutamos por transformação. Quando a gente vê que vai completar uma década do pior massacre da história contemporânea, sem punição, a gente só vê os crimes como os daquele maio serem perpetuados nas periferias. É muito difícil. Mataram, em uma semana, mais de 600 jovens e todos os inquéritos foram arquivados. O MP é omisso. Ele foi o pior assassino, com todos os pedidos de arquivamento”, disse Débora, muito emocionada.

Em nove anos, foram inúmeros pedidos de reabertura dos casos. A Secretaria de Direitos Humano da Presidência da República também recomendou a reabertura dos casos, tanto ao MP como à Secretaria da Segurança Pública paulista. Tudo foi negado. No caso de Débora, o corpo do filho dela foi exumado. Foi constatado que o projétil que o matou permanecia em seu corpo. Mas isso não foi motivo suficiente para o MP aceitar o pedido de reabertura do caso.

Em 2010, as Mães de Maio ingressaram com um pedido de federalização da investigação na Procuradoria-Geral da República. Até hoje o pedido não teve uma decisão.

Investigações

Em fevereiro deste ano, as Mães conseguiram a instalação, na Assembleia Legislativa de São Paulo, da Comissão da Verdade da Democracia, que investigará crimes praticados pela Polícia Militar no período pós-ditadura. A ideia surgiu das comissões que apuraram os crimes praticados por agentes a serviço do Estado no período da ditadura (1964-1985). A comissão conta com apoio da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça e de movimentos sociais

Em 21 de março, o movimento denunciou à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) os homicídios e a dificuldade em se conseguir apuração dos ocorridos e punição dos autores. Já houve duas audiências com a entidade, que pode mais uma vez condenar o Brasil por desrespeito aos direitos humanos.

“Infelizmente, nós estamos em um país que se a gente quer justiça, temos de sair dele”, comentou Vera Lúcia dos Santos. Sua filha Ana Paula Gonzaga dos Santos foi assassinada em 12 de março de 2006. Estava grávida e tinha o parto marcado para o dia seguinte.

“Minha filha saiu com mais três pessoas, incluindo o marido dela, para comprar leite. Em uma esquina foram abordados, já sob tiros. Mas o inquérito sobre a minha filha foi arquivado após seis meses. Nem teve processo. Como é que pode isso?”, questionou.

Em audiência organizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em abril, as mães reiteraram o pedido de federalização. Doze delas relataram os casos de seus filhos aos procuradores, como forma de fornecer elementos para justificar novas investigações. Um relatório favorável do Conselho pode forçar a reabertura dos casos, mas ainda não há um posicionamento do órgão.

O movimento convidou mães de vítimas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte para contar suas histórias. E também integrantes da torcida organizada corintiana Pavilhão 9, cuja sede foi palco de uma chacina que deixou oito mortos, em 18 de abril. “Os casos estão todos relacionados. Dá tão certo matar pobre que isso continua se repetindo. Se em 2006, as Mães de Maio tivessem sido ouvidas, se tivesse sido feita Justiça, não estaríamos aqui com mais mães, mais assassinatos de jovens”, afirmou Vera.

Ana Paula Gomes de Oliveira veio da favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, relatar o assassinato de seu filho Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos, por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade, em 14 de maio do ano passado. “Meu filho foi morto pelas costas. Quando chegamos na delegacia, os policiais estavam lá, registrando ocorrência de auto de resistência”, afirmou.

Segundo ela, o apoio dos vizinhos foi fundamental para conseguir denunciar os policiais. “O policial que matou meu filho tinha outros três homicídios. Ele já sentou em um tribunal e nada aconteceu. Graças ao povo corajoso da favela, que testemunhou, o caso está andando”, afirmou. Ela ainda aguarda o julgamento do caso.

Mas não são somente casos ocorridos nas ruas que ficam impunes. Thiago Silveira, único filho de Cacá Silveira, foi esquartejado em um presídio mineiro. “Fizeram de tudo para justificar a morte dele. Que estava drogado, que tinha se matado. Até escreveram na camisa dele como se estivesse se despedindo. Não importa o que ele fez, estava sob tutela do Estado e não podiam ter feito isso com ele”, bradou Cacá, que passou mal e teve de ser acolhida pelas mães. Nenhuma investigação foi feita sobre a morte de Thiago.

A carioca Deize Carvalho perdeu o filho Andreu Carvalho, de 17 anos, em circunstâncias semelhantes, em janeiro de 2008, nas dependências do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), no Rio de Janeiro. “Seis agentes o espancaram e perfuraram o corpo dele com cabos de vassoura. Mas disseram que ele tinha caído de um muro tentando fugir. O promotor disse que não podia aceitar o testemunho dos outros jovens internados lá, por que eram marginais”, relatou.

Sem conseguir uma resposta do Estado sobre o assassinato de seu filho, Deize ingressou em uma faculdade de Direito e promete lutar contra o sistema judiciário, que para ela é tão assassino como aqueles que mataram seu filho. “Nós temos de mudar esse Estado. O mesmo Estado que o matou negou um pedido meu para que o pai tivesse de se responsabilizar pelo filho, porque as custas do processo eram muito altas”, afirmou. Desde o início de sua militância, Deize e a família relatam sofrer ameaças constantes de policiais da UPP da favela do Cantagalo.

Integrantes da torcida Pavilhão 9 criticaram a forma como a imprensa cobre esses casos, geralmente criminalizando as vítimas. “As famílias dos nossos companheiros sofrem todos os dias por eles terem sido retratados simplesmente como vagabundos. Como se isso também justificasse o que foi feito. Nós também queremos justiça, para todas as famílias e vítimas”, afirmou Altevir Silva, membro da organizada.

Segundo ele, a torcida está arrecadando cestas básicas e ajudando no que pode as famílias, que não receberam nenhum contato ou apoio do poder público paulista.

O evento foi acompanhado pela Anistia Internacional do Brasil, Justiça Global, Pastoral Carcerária. O rapper Emicida, o grupo de rap Influência Positiva, a cantora Yzalú e o bloco afro Ilú Obá de Mín também participaram. O grupo realizou um cortejo pelas ruas do centro de São Paulo, com o som de tambores e fogos de artifício em memória das vítimas da violência do Estado.

Saiba mais: