São Paulo

Assembleia instala comissão para investigar crimes da PM no período pós-ditadura

Grupo liderado pelo movimento Mães de Maio jogará luz sobre dezenas de casos não esclarecidos pelo poder público, envolvendo agentes da polícia e métodos herdados do regime militar

Arquivo pessoal / Débora Maria da Silva

Débora: Quem paga por esses crimes é a mãe que chora; é importante contar a história tal como aconteceu

São Paulo Sob a liderança do movimento Mães de Maio, foi instalada nesta sexta-feira (20) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a Comissão da Verdade da Democracia, que investigará crimes praticados pela Polícia Militar no período pós-ditadura. A ideia surge a partir das comissões da verdade, debruçadas na apuração e encaminhamento dos crimes do Estado no período de exceção, que com a Lei da Anistia, de 1979, foram varridos para debaixo do tapete.

A comissão conta com apoio da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça e de movimentos sociais em especial movimentos negros e articulados na periferia. A estrutura para a audiência de instalação da comissão foi coordenada pelo deputado estadual do PT Adriano Diogo, cujo mandato se encerra em 15 de março. A comissão não tem, ainda, força de lei, o que deve dificultar o processo de investigação.

Para a coordenadora do Mães de Maio, Débora da Silva, o mais importante agora é jogar luz sobre dezenas de casos não esclarecidos pelo poder público, envolvendo agentes da polícia. “Quem paga por esses crimes é só a mãe que chora pelo filho morto. É importante que a história seja contada tal como aconteceu, que a memória seja preservada. Inclusive a memória recente. Nossos filhos morreram e ainda morrem, e se não fizermos nada continuarão morrendo na mão da PM.”

O foco serão crimes cometidos pela polícia contra a população pobre, negra e periférica após 1988. Essa investigação, no entanto, não deve estabelecer um critério cronológico, mas casos de maior repercussão terão prioridade a princípio, como o chamado “crimes de maio”, quando ocorreu o assassinato de pelo menos 493 civis na região metropolitana de São Paulo, promovido por grupos vinculados à PM, em resposta aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) de 2006. São esses os crimes que levaram as mães dos jovens mortos a criarem o movimento Mães de Maio.

Segundo o consultor da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça Dário de Negreiros, um dos principais desafios da nova Comissão é levantar dados e elaborar um estudo consistente comprovando que a ditadura militar, período em que a Polícia Militar foi criada, é a responsável por um conjunto de práticas violentas e criminosas que orientam a atuação da PM ainda nos dias hoje. “Procuramos diversos especialistas desta área e, embora se fale muito em desmilitarização da polícia, não temos nenhum estudo certificando que o que era praticado durante o período de exceção não se encerrou, mas foi direcionado para a população negra e que mora na periferia.”

Neste esforço, trabalharão os pesquisadores José de Jesus e Maria Guerra, emprestados pela Comissão de Anistia. Os estudos ainda serão elaborados, mas Maria Guerra disse que é possível afirmar que desde 1979 a estrutura da PM se manteve a mesma e os conceitos gerados no passado viraram conduta da polícia no período democrático. “A violência já existia, mas o conceito de desaparecimento foi criado na ditadura é usado até hoje para ocultar crimes e criminosos. Sabemos que pessoas são mortas e jogadas em valas, enterradas como indigentes. Essa prática foi estabelecida em 1970.”

Durante a audiência desta sexta-feira, aberta aos movimentos sociais que tendem a se agregar à discussão, a principal preocupação era a sensibilização a opinião pública sobre o que consideram o extermínio da população. “Tem alguém que aperta o gatilho (a polícia), alguém que arquiva o processo (a justiça), a imprensa que endossa ao massacre dos pobres, e a população que aplaude. Não vamos avançar enquanto esse extermínio estiver naturalizado”, disse Negreiros.

A próxima audiência está marcada para 12 de março, ainda sem local e horário definidos.

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