violência policial

Familiares de vítimas cobram federalização dos crimes de maio em audiência no MP

Procurador-geral de Justiça paulista discorda de proposta e diz que pode reabrir investigações se medida for determinada pelo Conselho Nacional do MP

São Paulo – O Movimento Mães de Maio cobrou hoje (7) do presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público, Jarbas Soares Júnior, que ele proponha a federalização dos chamados “crimes de maio” ao colegiado de promotores. “O que aconteceu em 2006 foi crime de lesa-humanidade. Não poderia nunca ser arquivado. Eu clamo a vocês: não se pode mais ter omissão. Se tivesse havido punição, não teríamos mães enterrando filhos vítimas do Estado todos os 365 dias do ano”, afirmou a militante Débora Maria Silva ao promotor Jarbas Soares e ao procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa.

O pedido, apresentado para a Procuradoria-Geral da República em 2010, foi reiterado hoje, durante audiência pública na sede do Ministério Público paulista, para apurar a falta de investigação dos 505 assassinatos ocorridos entre 12 e 20 de maio de 2006, durante ação para o restabelecimento da ordem realizada pela polícias paulistas após os atentados cometidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

A federalização pode ser aplicada pela Procuradoria-Geral da República, quando uma violação de direitos humanos não é devidamente apurada e punida em outro ente da federação. Nesse caso, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal coordenam as investigações. “Eu quero uma resposta dos servidores. Essa audiência não é um faz-de-conta. Eu não trouxe essas mães aqui, que perderam dia de serviço, estão doentes, para um faz-de-conta. Não tem mais condições de o MP paulista conduzir as investigações”, afirmou Débora.

Além de Débora, outras 12 mães, pais, irmãs e avós reforçaram o pedido contando a história de seus familiares mortos naqueles dias de maio ou em outras épocas, mas nas mesmas circunstâncias. A militante do movimento Vera Lúcia Gonzaga dos Santos ressaltou que é um absurdo o MP mandar arquivar casos como o da filha dela, Ana Paula Gonzaga dos Santos, que estava grávida quando foi assassinada, em 12 de março de 2006. Ela tinha o parto, por cesariana, marcado para o dia seguinte.

“De noite ela quis tomar uma vitamina, mas não tinha leite. Eles saíram em quatro para comprar e foram seguidos por um carro preto. Em uma esquina foram abordados, já sob tiros. Eles tentaram se esquivar. Um deles pegou minha filha pelo pescoço e deu-lhe um tiro na cabeça, na frente do meu genro, com ele pedindo pra deixar ela ir porque estava grávida”, relatou Vera aos promotores. “O inquérito sobre a minha filha foi arquivado após seis meses. Nem teve processo. Como é que pode isso?”, questionou.

As mães relataram todo tipo de ameaça e perseguição. Duas das que participaram da audiência foram acusadas de ser traficantes de drogas. A comerciante Ednalva Santos, é uma delas. “Eles plantaram balança de precisão, pinus de cocaína no nosso estabelecimento comercial. Além perderam meu filho, eu, com 50 anos, passei a vergonha de sair algemada do meu estabelecimento comercial. Em nove anos a gente só tem sofrido. É ameaça, perseguição. Eu só peço que vocês tomem providências quanto a isso”, disse aos promotores.

Ednalva é mãe de Marcos Ribeiro Filho, de 19 anos. Ele tinha ido surfar com um amigo. No caminho de volta, foram seguidos por um carro preto. Marcos foi chamado para fora da casa do amigo e morto com nove tiros. Três na cabeça. “Uma testemunha me contou que ele foi morto por policiais. Nunca descansei de ter respostas sobre a morte do meu filho”.

Até hoje, houve apenas uma ação penal referente aos “crimes de maio”, conforme relatou o representante do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na audiência, juiz Vítor Frederico Kümpel. “Além deste, dos casos ocorridos em 2006, o TJ-SP teve nove pedidos de indenização. Três foram julgados procedentes, cinco improcedentes e um está em grau de recurso. É muito pouco”, afirmou Kümpel, argumentando que a Justiça não pode ser responsabilizada pela falta de apuração dos crimes, pois este é o papel do Ministério Público e da Polícia Civil.

Houve vários pedidos de reabertura dos casos pelas famílias, sempre negados sob a argumentação de que não há elementos novos. Até mesmo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em relatório especial sobre os “crimes de maio”, recomendou a reabertura dos casos para o MP e a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Sem sucesso.

Na audiência de hoje, o procurador-geral admitiu que uma decisão do colegiado pleno do Conselho Nacional do Ministério Público pode levar à reabertura dos casos. “A reabertura depende de um fato novo. O relatório, com as conclusões que o Conselho Nacional trouxer, pode ser este fato novo. Eles estão compilando, além dos depoimentos de hoje, outros materiais, informações, documentos que possam ilustrar melhor o que ocorreu”, afirmou Elias Rosa. Segundo ele, o material poderá ser usado tanto na reabertura de investigações criminais, quanto no inquérito que o MP está instruindo para apurar responsabilidades civis do estado de São Paulo sobre os “crimes de maio”.

Ele, no entanto, não aceita que tenha sido omissão dos promotores a falta de investigação denunciada pelas Mães de Maio. “Essa situação demonstra a dificuldade que nós temos em produzir provas no Brasil. Nosso país só esclarece 10% dos crimes de homicídio. Temos grande dificuldade em investigar crimes nessa situação, a fim de se determinar autoria sem recorrer a testemunhas”, explicou.

Elias Rosa comprometeu-se a fornecer todas as informações do Ministério Público sobre os inquéritos e processos referentes aos “crimes de maio” para a Comissão Especial da Verdade Mães de Maio, criada este ano na Assembleia Legislativa de São Paulo. Mas se disse contra a federalização.

Já o representante do Conselho Nacional do Ministério Público, Jarbas Soares Júnior, preferiu não adiantar nada sobre a elaboração do relatório. “Vamos transcrever os depoimentos e elaborar a ata. Isso será analisado por especialistas de diversas áreas do conselho, antes de chegarmos ao nosso relatório”, afirmou. O relatório não tem data para ser apresentado ao pleno do conselho.

Para as Mães de Maio, a única resposta federalização. Do contrário darão andamento a denúncia realizada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Não foram 453, como disse o governo paulista. Em uma semana se matou muito mais do que nos 21 anos de ditadura. Meu filho tinha um projétil nas costas. Seu corpo foi exumado, o laudo comprovou isso. Não está saindo da minha boca. Mas o Ministério Público paulista pediu o arquivamento e o Judiciário aceitou. Não se pode mais ter omissão”, concluiu Débora.

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