Desumano

Abrigos para pessoas em situação de rua estão abandonados pela prefeitura de São Paulo

Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara mostra que são péssimas as condições de infraestrutura e higiene aos usuários

Fernando Pereira/Secom
Fernando Pereira/Secom
"É preciso conhecer a realidade para saber porque a maioria da população (em situação de rua) não aceita ir para esses abrigos", observa Robson Mendonça

São Paulo – Colchões infestados por percevejos, refeições feitas em meio a fezes de pombos, geladeiras com restos de comida, pias e vasos sanitários entupidos e chuveiros quebrados. Essas são algumas das condições dos abrigos à população em situação de rua da cidade de São Paulo, administrados pelo governo de Ricardo Nunes (MDB). A situação foi revelada por um relatório elaborado ao longo de 2021 pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal. 

O documento apresenta fotos e vídeos do Centro Zaki Narchi, em Santana, na zona norte da capital. Mas, de acordo com a presidenta da comissão, a vereadora Erika Hilton (Psol), todas as unidades apresentam problemas para atender e acolher a população sem-teto. Em dezembro de 2019, os abrigos, então administrados pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), já haviam sido denunciados pelos vereadores da comissão. À época, o órgão também encontrou “galpões superlotados, sem o número de funcionários adequados e sem banheiros e materiais de higiene suficientes, e também “infestados por pombos e percevejos”.

“A Comissão observa a situação dessas unidades como extremamente deplorável. As unidades estão precisando de reparação, de infraestrutura, de um acompanhamento e fiscalização mais rigoroso por parte da prefeitura para que de fato o serviço funcione. Há um total despreparo, desleixo e falta de infraestrutura nos mais diversos sentidos. E é essa a análise que a comissão faz da maior parte dos espaços de acolhimento que existem na cidade. Porque todos apresentam gravíssimos problemas”, aponta Erika Hilton. 

Insalubridade impede o acesso

A vereadora acrescenta que acompanhou as visitas na maioria dos abrigos para pessoas em situação de rua e “não houve um lugar que falássemos ‘nossa, aqui há um trabalho de excelência’. Claro, há lugares com gerentes mais preocupados, com uma gestão um pouco melhor. Mas todos apresentam problemas e falta de estrutura para atender de forma digna, humana e respeitosa a população em situação de rua”, observa. A precariedade dos centros de acolhida é o que acaba impedindo que muitas pessoas que vivem nas ruas saiam dessa situação. Na pandemia, a insalubridade tornou ainda mais grave o risco de transmissão de doenças contagiosas dentro dos abrigos.

É o que destaca o presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, Robson Mendonça. O ativista afirma que o despreparo de algumas equipes, que atuam nas unidades, também faz com que grande parte dessas pessoas continue vivendo nas ruas e calçadas da cidade. “Ao menos 90% da população em situação de rua não aceita ir para esses centros por conta das condições de insalubridade. (…) É preciso conhecer a realidade para saber porque a maioria da população (em situação de rua) não aceita ir para esse abrigo.” 

Sob investigação

Segundo a vereadora Erika Hilton, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara encaminhou o relatório à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), além de outros órgãos, instituições e autoridades. “A comissão seguirá acompanhando, denunciando e provocando os agentes públicos, as instituições e os órgãos responsáveis para que medidas possam ser tomadas. Nós não queremos que esse relatório caía no esquecimento, que seja só mais um documento que a sociedade e as autoridades tenham acesso e nenhuma medida seja tomada. Estamos falando de vida, de cidadania, de dignidade humana e de saúde pública. E é preciso que todos os envolvidos se comprometam a buscar respostas e saídas”, ressalta a parlamentar.

Em nota, a Smads disse que a melhoria do atendimento à população em vulnerabilidade social e situação de rua é uma das metas da atual gestão e que irá desenvolver ações de moradia, locação social e qualificação profissional. Além de ampliar novas vagas em hotéis e postos de trabalho voltados para essa população. A pasta argumenta ainda que as dedetizações na rede socioassistencial são feitas conforme os protocolos, critérios e prazos da vigilância sanitária e que o processo de higienização dos equipamentos ocorre diariamente. 

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