Lucros para alguns

PL sobre subsídio a gratuidade de idosos favorece empresários de ônibus

Segundo o Idec, projeto acumula vantagens inadequadas para as empresas sem assegurar melhorias estruturais na qualidade do transporte

Meire Lima/PMSG
Meire Lima/PMSG

São Paulo – O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.392/2021, que cria o Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas (Pnami). Assim, fica garantida a gratuidade no transporte público urbano para pessoas com mais de 65 anos, com financiamento por parte do governo federal. Porém, de acordo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o projeto – ainda que a pretexto de favorecer idosos – acumula uma série de contrariedades com vantagens inadequadas para os empresários de ônibus.

Para o coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Idec, Rafael Calabria, o PL coloca em risco direitos dos idosos, mas não atinge a raiz do problema. Segundo Calabria, o projeto de lei não cria nenhum impacto novo, como, por exemplo, a manutenção dos ônibus. “A própria comunicação de que o aporte é para a gratuidade dos idosos, e não um repasse para o setor, é um erro da proposta. Em primeiro lugar porque a gratuidade não é custo. Ou seja, as pessoas que circulam no ônibus não são um custo. O custo é diesel, pneu, veículos, os trabalhadores, portanto, isso que precisa estar calculado, definido e bem custeado”, observa.

O especialista afirma que, ao tentar fazer pela gratuidade, que já existe, o projeto não promove nenhuma contrapartida de qualidade e nova. “Não se fala sobre melhoria da frota, aumentá-la porque os ônibus estão lotados nas cidades, ou sobre reduzir e manter a tarifa. O projeto não menciona nem qualidade e nem tarifa. Estão usando esse costume antigo de reclamar das gratuidades para fazer um repasse às empresas de ônibus sem nenhum benefício para a sociedade”, contesta Calabria.

Mais recursos, menos contrapartidas

A presidenta da Associação Cultural Guerreiros Brasileiros, Hilda Maria, também destaca que faltam melhorias nos veículos. Segundo Hilda, os ônibus da cidade de São Paulo não oferecem nenhum tipo de segurança para a população mais velha. Além de escadas altas e falta de puxadores, muitas vezes os funcionários não são qualificados para atender os idosos, critica Hilda. “A maioria dos ônibus tem escadas altas, temos que ajudar os idosos a subir. E não tem segurança. Eu já presenciei vários idosos escorregando e caindo dentro do ônibus devido a essas dificuldades. Há muitos motoristas que não têm paciência, correm demais e brecam com tudo e os idosos caem”, descreve. A entidade chegou a promover ato contra o cancelamento da gratuidade nos transportes de São Paulo para idosos em janeiro do ano passado.

De acordo com o coordenador do Idec, o PL, que segue para votação na Câmara dos Deputados, pode provocar inúmeros problemas se não houver um repasse aprimorado. “Vai ser uma injeção de recursos para os empresários. Reforça todos processos históricos que o setor já tem e corre o risco de a gente não ter melhoras, ou até ter algumas pioras”, alerta.

Antes da aprovação do projeto, o Idec chegou a enviar carta aos senadores com críticas à proposta do governo federal. Em dezembro de 2020, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei que previa auxílio financeiro para o setor e o Idec participou da elaboração. Porém, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a proposta sem apresentar uma alternativa. Para Calabria, outras alternativas que justifiquem o repasse financeiro poderiam ser criadas para fundamentar o projeto. 

Uso da população idosa

“Outros países do mundo e até algumas cidades do Brasil que fizeram repasses vincularam isso a uma obrigação de frequência de frota, de ampliar a frota de ônibus para evitar lotações, ou garantindo que não iam aumentar a tarifa. Algumas cidades chegaram a reduzir a tarifa, outras criaram programas de gratuidades, beneficiaram pessoas de baixa renda que vão procurar emprego. Assim, criaram um novo impacto social, pois fizeram algum programa que cria benefício melhor e aproveita o recurso dado ao setor para que não tenha problemas financeiros na pandemia”, compara o especialista. Calabria concorda que as demandas da população idosa precisam também ser atendidas, mas ressalta que esse é um problema anterior à crise sanitária.

“Temos de pensar como as empresas vão garantir que irão parar (nos pontos de ônibus) para os idosos, que os veículos terão pisos baixo. Mas esses são problemas de gestão que não estão vinculados à questão da gratuidade ou do financiamento. Desse modo, precisam ser tratados com legislação, fiscalização e melhoria dos contratos. E uma questão bem diferente, esse subsidio está tentando resolver um problema usando a população idosa para disfarçar que é um repasse de recursos”, conclui Calabria.

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