Chacina

Operação policial em Jacarezinho afronta STF e é a mais letal da história do Rio

Tiroteio em Jacarezinho teve início ainda durante a manhã desta quinta (6), quando moradores se deslocavam para o trabalho. Balas atingiram passageiros no metrô. Comunidade denuncia execuções e violações por parte da polícia

Renato Moura/A Voz das Comunidades
Renato Moura/A Voz das Comunidades
Organizações e as comissões de Direitos Humanos da Alerj e da OAB-RJ conseguiram acesso a seis casas e os sinais são de arrombamento, com civis mortos e sem marcas de troca de tiros. "Foi execução"

São Paulo – A Polícia Civil deu início a uma ação nesta quinta-feira (6) na comunidade do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, que já é considerada a operação mais letal da história da cidade. Oficialmente, ao menos 25 pessoas morreram e outras quatro ficaram feridas, segundo a corporação. A ação ocorreu em violação a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe operações policiais nas favelas e periferias do Rio de Janeiro, a

Entre as vítimas, estão o policial civil André Leonardo de Mello Frias, morto com um tiro na cabeça, e 24 moradores, que a polícia diz serem “suspeitos”, mas não informa como chegou a essa informação ou em que situação elas foram assassinadas. Outros dois policiais também foram feridos com tiros na perna e de raspão no braço. A operação em Jacarezinho começou ainda durante a manhã de hoje, quando moradores deixavam suas casas a caminho do trabalho. Os tiros atingiram dois passageiros que estavam dentro de uma composição do metrô na estação Triagem. 

Movimentos sociais e moradores denunciam que o número de vítimas, no entanto, pode ser ainda maior do que o registrado oficialmente. De acordo com informações do coletivo A Voz das Comunidades, já são mais de seis horas da operação com o pretexto de prender traficantes. Mas relatos de moradores apontam que policiais invadiram casas, agrediram e confiscaram celulares da população local. Imagens da operação também mostram um helicóptero da Polícia Civil com dois atiradores armados sobrevoando a comunidade nas primeiras horas da ação. 

Execução

Desde o ano passado, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como a ADPF das Favelas, referendada pelo STF, não só limita operações policiais nas favelas e periferias do Rio para casos excepcionais, como também proíbe o uso de helicóptero por atiradores de elite enquanto perdurar a pandemia de covid-19. Por volta das 14h, as Comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), e a Defensoria Pública e o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) entraram institucionalmente na comunidade para acompanhar a operação ao lado da população que protestava por justiça.

No local, os representantes flagraram uma série de violações. Pelo twitter, o advogado Joel Luiz Costa, co-fundador e coordenador do IDPN divulgou imagens que mostram muitos projéteis e sangue espalhados pelo chão das ruas e casas que foram invadidas por criminosos e policiais. Em um dos vídeos, uma mãe denuncia que o filho foi executado pela polícia, “que já chegou atirando”. “Eles apontaram o fuzil para mim, falando que eu tinha que morrer só porque eu fui perguntar onde o corpo do meu filho estava”, contou. Segundo Costa, o grupo conseguiu acesso a seis casas e os sinais são de arrombamento, com civis mortos e sem marcas de troca de tiros. “Foi execução”. “Dói na alma vê um cenário de guerra dentro da sua própria favela, sabe. É cruel”, escreveu o advogado. 

Jacarezinho, chacina mais letal

Em outra imagem, há ainda o corpo de um jovem negro ensanguentado em cima de uma cadeira de plástico com um dos dedos na boca. A deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ) afirma ter recebido uma denúncia de que esse morador foi executado pela polícia, que teria o colocado dessa forma vexatória “para a população ver”. “Isso é barbárie! Não há palavras para descrever essa situação. Respeitem a favela e a decisão do STF!”, contestou. 

Em paralelo, organizações da sociedade civil e de favelas estão promovendo um tuitaço para denunciar a chacina. “Não tem outro nome”, ressaltou o Instituto Marielle Franco. “Essa guerra sem fim, e sem vencedor, só gera mortes e são sempre os mesmos que morrem. Todos pobres, pretos e favelados”, lamentou a entidade. 

A última operação policial mais letal em comunidades no Rio também descumpriu a decisão do STF em 15 de outubro do ano passado. Na ocasião, 12 pessoas, incluindo um ex-policial militar, foram mortas na Vila Ibirapitanga, no Itaguaí. Cinco meses antes, em 15 de maio, uma ação da polícia também matou 13 moradores do Complexo do Alemão, na zona Norte, interrompendo uma ação de solidariedade. Antes delas, 13 pessoas também foram assassinadas pela PM, no episódio que marcou o dia 8 de fevereiro de 2019 como o massacre no Morro da Fallet-Fogueteiros, no centro da cidade. Dados do laboratório Fogo Cruzado indicam ainda a chacina do Jacarezinho entra para a história como a maior desde 2016. 

Retrato do fracasso

Para a deputada Renata Souza (Psol-RJ) esse “é mais um retrato bárbaro do governo do Rio”, que há poucos dias definiu Cláudio Castro (PSC) como o chefe do Executivo, após o impeachment de Wilson Witzel (PSC). “Não garantiu vacina nem comida, mas aterroriza a favela com tiros. Política de morte. Já são mais de 415 mil pessoas mortas pela covid no Brasil, mais de 45 mil pessoas mortas só no Rio. Agora, mais 25 (mortos) com tiros no Jacarezinho”. 

Nas primeiras horas da operação, a Polícia Civil justificava que a ação visava cumprir 26 mandados de prisão expedidos pela Justiça. A corporação alegava ter descoberto que traficantes estavam recrutando adolescentes de 12 anos para a linha de frente do comércio ilegal de drogas na comunidade.  Os movimentos sociais observam, no entanto, que o modo de atuar do Estado, apostando no confronto e na violência, não reduzem a criminalidade. “Entraram no Jacarezinho, mataram 25 pessoas ou mais, e isso vai acabar com o trafico de drogas?”, questiona o advogado Joel Luiz Costa.