Sem teto e despejados

‘Não temos para onde ir’: famílias denunciam remoções no auge da pandemia

Mesmo em meio aos recordes diários de casos e mortes pela covid-19, que impõe a necessidade de ficar em casa, e a falta de renda, as ações de despejo seguem normalmente no país

Arquivo EBC
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Levantamento da campanha Despejo Zero aponta que pelo menos 9.155 famílias foram removidas durante a crise sanitária e mais de 64 mil estão sob ameaça em todo o país

São Paulo – Nem mesmo o atual momento crítico da pandemia impede que as ações de despejos e remoções de famílias aconteçam no Brasil. Levantamento da campanha Despejo Zero aponta que pelo menos 9.155 famílias foram removidas durante a crise sanitária e mais de 64 mil estão sob ameaça. Em meio aos recordes diários de mortes e infectados, famílias estão vendo suas moradias serem demolidas ou interditadas a mando de prefeitos e governadores. 

Em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, e na capital, elas afirmam que apesar da recomendação das autoridades sanitárias e dos gestores públicos, com o fique em casa, não tem sido suficiente para barrar as remoções em pleno pico da pandemia. Às vésperas do feriado nacional da sexta-feira santa, no dia 2 de abril, sete famílias do Jardim Silvina, em São Bernardo, receberam notificação da prefeitura para deixarem suas moradias em cinco dias. 

De acordo com a moradora identificada como Maria Regina, essa é terceira vez que a gestão municipal ameaça as famílias. “Não temos para onde ir”, lamenta. O líder regional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Dalécio Anderson, que acompanha as famílias, chama atenção para o que classifica como “contradição” entre o discurso do prefeito Orlando Morando (PSDB) e a prática. 

Vida e morte

“Nós tivemos a Sexta-Feira Santa, o sábado de aleluia e o domingo da ressurreição de Cristo até hoje para (cumprir) a decisão. O prefeito Orlando Morando na televisão defende todas as orientações de ficar em casa, usar máscara e álcool em gel. Mas na prática real na cidade tira aquilo que é a principal orientação que é a sua casa. Entremos na justiça para pedir a suspensão das remoções”, aponta o líder regional do MTST. 

Na cidade de São Paulo, as remoções também estão acontecendo. Na mais recente delas, a administração Bruno Covas (PSDB) removeu centenas de famílias da região dos Campos Elíseos, na Luz, centro da cidade. A militante Evaniza Rodrigues da União dos Movimentos de Moradia (UMM-SP) destaca que as remoções estão acontecendo mesmo com a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que esse tipo de ação não ocorra durante a pandemia.

De acordo com a representante, a população que mora de forma precária convive diariamente com a iminência do despejo que, neste período crucial, pode significar vida e morte, como alerta.

Agravando a desigualdade

“No momento em que as pessoas não só precisam ficar em casa, mas estão tendo redução de renda, desemprego, perda de fonte de renda, as ações de reintegração de posse seguiram normalmente. Em alguns lugares conseguimos ações judiciais e que o CNJ aprovasse recomendação ao Judiciário de suspensão das decisões de reintegração de posse. Mas é uma recomendação, não decisão. E também temos um projeto de lei na Câmara e no Senado para suspender essas ações. Acredite ou não, um ano depois ele ainda não foi votado”, afirma Evaniza. 

A reportagem procurou a prefeitura de São Bernardo para que se manifestasse sobre as remoções, mas não obteve resposta. Já a prefeitura de São Paulo diz que as remoções são necessárias para dar continuidade às obras das Parcerias Público Privadas (PPPs). A gestão alega que, desde 2017, vêm removendo famílias que há anos moravam no local. 


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