Cultura despótica

Parte das forças de segurança se alinha a ideais antidemocráticos, aponta pesquisa

A partir de postagens públicas nas redes sociais, levantamento mostra adesão ao pensamento autoritário do bolsonarismo

Fernando Frazão/EBC
Fernando Frazão/EBC
Frases antidemocráticas e autoritárias são "compartilhadas sem pudor" por ao menos 12% de policiais militares, 7% de policiais civis e 2% de policiais federais, aponta estudo do FBSP

São Paulo – Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FSBP), veiculado pela revista Piauí, neste sábado (8), mostra que parte dos policiais brasileiros defende abertamente nas redes sociais que as instituições da República sejam fechadas e que o presidente Jair Bolsonaro realize uma “intervenção” para romper com a ordem democrática do Brasil. Páginas e perfis de aproximadamente 15.300 policiais, de um total de 141.717 profissionais pesquisados no estudo, contêm comentários como “Gilmar Mendes é um vaga*****. Bolsonaro tá certo sim se quiser mandar tropas pra fechar o STF”.

Ou ainda, “(Rodrigo) Maia é um bandido!!! Esse Congresso Nacional tem que fechar as portas, só tem rato!!!”. Os mais de 141 mil agentes encontrados são resultado da localização de perfis de policiais no Facebook, que levou em conta os quase 886 mil agentes da ativa ou aposentados no país, de acordo com os portais de transparência dos estados e da União. 

A partir daí, o FBSP identificou que frases antidemocráticas e autoritárias são “compartilhadas sem pudor” por ao menos 12% dos policiais militares. Além de 7% de policiais civis e 2% de policiais federais. O uso das contas nas redes sociais e para interação com grupos bolsonaristas é sobretudo maior entre policiais militares de baixa patente. Pelo menos 41% dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes mostram afinidade com os discursos das forças políticas conservadoras. 

Policiais e bolsonarismo 

O contingente de policiais alinhados ao bolsonarismo, contudo, pode ser ainda maior, já que apenas as postagens públicas foram analisadas, deixando de fora manifestações em perfis privados. Os resultados são preliminares, e fazem parte de um estudo que será ainda maior. Mas, de toda forma, haveria hoje 120 mil policiais apoiadores de discursos golpistas. Ou um terço do efetivo das Forças Armadas, como compara o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima e a socióloga e também diretora da entidade, Samira Bueno. 

“Uma nova crise pode nascer de onde menos se espera, já que a tropa de choque bolsonarista está distribuída em todo o território nacional e não se resume a uma única corporação”, advertem os pesquisadores sobre o risco, inclusive, de convulsão social e guerra civil. 

O cientista político Cláudio Gonçalves Couto também confirma o temor dos executivos do FBSP. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, ele pondera que o estudo reflete um resultado já esperado, possível de se identificar, por exemplo, em movimentos como o motim de policiais que houve no Ceará no início do ano. Mas nem por isso deixa de ser preocupante. Na prática, as forças de segurança pública estão alinhadas a um pensamento autoritário próprio de uma subcultura presente no interior das corporações.

“É isso que preocupa, porque estamos falando de uma força policial que está armada pelo Estado para defender a lei, mas que muitas vezes acaba por se envolver em atos ilícitos ou, ainda pior, atos políticos usando a mão armada do Estado. A gente sabe que policiais, Forças Armadas e instituições judiciais não podem ser policiadas para fins do cumprimento de agendas partidárias. Ou de agendas próprias de seus membros”, ressalta Couto.

Criminalizar a oposição

O risco à institucionalidade democrática não se dá somente por conta da afinidade dos policiais com as forças políticas conservadores, a partir do momento em que esses funcionários públicos reproduzem discursos golpistas. A aproximação se agrava em um contexto em que o governo Bolsonaro se mostra cada vez mais autoritário. 

“Elas (polícias) são o braço armado do Estado em tempos de paz e, se não reguladas, viram-se contra, até mesmo, os seus integrantes que destoam do pensamento hegemônico, a exemplo da lista de policiais antifascismo produzida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e distribuída às Unidades da Federação”, lembram Renato e Samira, sobre a elaboração de um dossiê que investigava justamente os agentes que discordam dos discursos antidemocráticos. Feito às escondidas e semelhante aos dossiês produzidos por militares à época da ditadura civil-militar contra opositores, o documento é alvo de um pedido de esclarecimentos por parte do STF. Até agora não respondido pelo governo.

“O que nós vemos é um governo que tem a orientação de criminalizar a oposição. Quem se opõe a ele passa a ser visto como um delinquente. E aí, consequentemente, deve ser investigado e alvo de dossiê”, comenta o cientista político.

Polícia precisa de controle

No artigo, os diretores do Fórum de Segurança Pública observam que a sociedade está “submetida a um sistema de segurança profundamente opaco e com instituições policiais quase sem nenhum controle efetivo sobre o que elas podem ou devem fazer”.

“Temos forças policiais que têm vida própria, uma autonomia, não por cumprimento de suas funções, que seria até desejável, mas uma autonomia e independência para fazer o que elas acham que precisam fazer, segundo as suas próprias agendas corporativas. Ou, segundo a discricionariedade dos seus membros individualmente. É aí que reside o problema. É preciso ter um mecanismo de responsabilização e de controle democrático da sociedade sobre as polícias que seja mais efetivo, isso não se faz do dia para noite”, finaliza Couto.

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria