Direito à terra

Indígenas decidem desocupar área da Tenda, mas bloquear acesso à obra

Após horas de resistência, comunidade fez acordo com a PM para que tropa deixe o local e evite conflito com a comunidade

Rafael Stedile
Rafael Stedile
A resistência pacífica dos indígenas vai prosseguir, agora do lado de fora do terreno, impedindo a continuidade da obra

São Paulo – Os indígenas Guarani Mbya fecharam acordo com a Polícia Militar (PM) para deixar o terreno ocupado vizinho a Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo. A comunidade reivindicou a retirada das tropas da PM, para deixar o local sem risco de conflito, já que há muitas crianças e pessoas idosas. A ação, no entanto, não encerra a resistência dos Guarani Mbya contra a construção do condomínio Reserva Jaraguá-Carinás, ao lado das aldeias Ytu, Pyau e Yvy Porã. Eles vão ocupar o portão principal de entrada e impedir que a Tenda retome as obras até que a Justiça Federal tome uma decisão sobre o caso.

“Eu liguei para o celular do prefeito Bruno Covas (PSDB). A resposta foi o silêncio”, denunciou Tiago, liderança da comunidade. “A prefeitura está esperando que a gente entre em confronto com a polícia. Nós não somos um povo da violência. Nosso sangue é sagrado e só cabe a Nhanderú (divindade indígena) retirar. Mas nossa resistência vai continuar. A polícia vai retirar suas tropas. O conflito esperado pela Tenda e pela prefeitura não vai acontecer. Nós temos sabedoria. A reintegração é para o interior do terreno. Nós vamos ocupar a entrada e a Tenda não vai entrar aqui. Se entrar, nós vamos entrar também.”

Tiago destacou que “o prefeito tem de ser responsabilizado por essa situação que ele nos colocou, por ser omisso em uma situação como essa”. E citou diversas normas desrespeitadas no processo de autorização da obra, como a Constituição brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Não existe direito para o povo, só existe direito para as empresas que podem comprar”, afirmou.

Resistência indígena

A Polícia Militar paulista havia dado prazo até as 15h para que os indígenas Guarani Mbya deixassem o terreno em que a Construtora Tenda pretende levantar o condomínio Reserva Jaraguá-Carinás, próximo da Terra Indígena (TI) Jaraguá.

Os moradores das aldeias Ytu, Pyau e Yvy Porã estavam desde as 5h fazendo um cordão humano na entrada do terreno, resistindo pacificamente à reintegração. De acordo com a vereadora Juliana Cardoso (PT), o período até as 15h seria utilizado para fazer articulações políticas e impetrar ações na Justiça para tentar derrubar o pedido de reintegração de posse. Os vereadores Eduardo Suplicy (PT) e Gilberto Natalini (PV) também estão no Jaraguá, mediando as negociações com a PM.

Os Guarani Mbya questionam a falta de diálogo sobre a obra, a inexistência de autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o processo de despejo ter sido autorizado por um tribunal estadual, quando a Constituição determina que causas indígenas são federais.

“A Ocupação Yary Ty chega em fase crucial de resistência e sobrevivência, com a execução da ação de reintegração de posse, hostil e armamentada, contra um movimento de salvaguarda da mãe natureza e do Nhanderekó Guarani (modo de vida e cultura)”, dizem os Guarani.

Árvores cortadas

A população indígena ocupou a área da obra no início de fevereiro, depois da derrubada de aproximadamente 530 árvores pela construtora. Os indígenas alegam que o local é sagrado e acusam a empresa de desrespeitar a legislação, não ouvir as comunidades afetadas e de pretender derrubar milhares de árvores, impactando a sobrevivência da população Guarani Mbya.

A Tenda diz ter todas as licenças para a obra e que seriam 528 árvores cortadas, com compensação de plantio de 549 mudas e a doação de outras 1.100 para o município. A prefeitura chegou a embargar a obra para apurar irregularidades.

O pedido de reintegração de posse foi impetrado na Justiça estadual, e a Defensoria Pública da União questionou a competência do órgão para emitir a ordem, já que a Constituição determina que questões indígenas só podem ser julgadas pela Justiça Federal. O Judiciário paulista também não ouviu a Fundação Nacional do Índio (Funai), conforme a lei determina.

O advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Leandro Laurindo da Silva explica que a derrubada de árvores próxima da Terra Indígena Jaraguá ameaça os Guarani Mbya física, espiritual e culturalmente. “O impacto é imenso. A partir da cosmovisão do povo Guarani, cada árvore que tomba, cada animal que morre com a devastação, a destruição da mata, traz enfraquecimento espiritual para a comunidade”, disse. Após a parada dos trabalhos pelos operários da construtora, a população fez um funeral homenageando “cada um dos irmãos” mortos.

Na Justiça Federal

Na Justiça Federal de São Paulo, acordo firmado na quarta-feira (4) determinou a suspensão das obras do condomínio Reserva Jaraguá-Carinás por 60 dias. O acordo foi mediado pela juíza federal Tatiana Pattaro Pereira, da 14ª Vara. A audiência foi proposta em ação das Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo e contou com a participação da Tenda, da Comissão Tekoa Jaroguata Petei Mbaraete, do Conselho Consultivo do Parque Estadual do Jaraguá, da Fundação Florestal, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Funai.

A construtora terá 10 dias para encaminhar à Justiça o projeto do condomínio e as licenças ambientais. Depois disso, os órgãos públicos e a comissão indígena terão 30 dias para analisar os documentos, que será depois encaminhado às defensorias e ao Ministério Público Federal. As defensorias pedem a suspensão das obras. A prefeitura de São Paulo não compareceu à audiência e será intimada. A próxima audiência está marcada para 5 de maio, às 15h30.