A lei é para todos

Lei de abuso de autoridade impõe regras de conduta a juízes, promotores e policiais

Entra em vigor hoje nova legislação com objetivo de evitar que agentes do Estado atuem de forma intimidatória e abusiva contra cidadãos

José Cruz/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil
Contestada no STF, nova lei de abuso de autoridade pune crimes dos agentes de Estado contra os cidadãos

São Paulo – Entrou em vigor hoje (3) a nova lei de abuso de autoridade. Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro, a legislação torna crime uma série de condutas por parte de agentes de Estado como policiais, juízes e promotores.

A lei foi questionada por associações de magistrados, policiais, auditores fiscais e integrantes do Ministério Público com pedido de liminar ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Celso de Mello é relator de ao menos quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) contra a norma, mas não há prazo definido para que o assunto seja julgado.

Bolsonaro chegou a vetar 33 pontos da nova lei, mas 18 desses vetos acabaram derrubados pelo Congresso Nacional.

A lei de abuso de autoridade prevê, por exemplo, punição de multa ou até mesmo prisão para condutas como negar habeas corpus quando manifestamente cabível (um a quatro anos de prisão, mais multa) ou proibir acesso aos autos do processo ao interessado ou seu defensor (seis meses a dois anos de prisão, mais multa).

Além de penas de prisão e multa, diversos pontos preveem sanções administrativas, como a perda ou afastamento do cargo, e cíveis, como indenização. Para incorrer em crime, a lei prevê que as condutas sejam praticadas com a finalidade de beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou com o objetivo de prejudicar alguém, ou ainda “por mero capricho ou satisfação pessoal”.

Para o advogado e cientista político Jorge Folena de Oliveira, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), os protestos contra a nova legislação são resultado de corporativismo.

“Todos os profissionais têm suas responsabilidades. Um motorista de ônibus que causar um acidente por excesso de velocidade vai ser responsabilizado. Assim como um cozinheiro que se descuidar do preparo adequado dos alimentos. Da mesma forma, um promotor ou um juiz não pode atuar para além das suas atribuições, sem ser responsabilizado”, afirmou em entrevista ao Jornal Brasil Atual, em outubro.

Acima da lei

A legislação anterior, de 1965, tipificava apenas abusos cometidos por policiais. A nova lei inclui todos os agentes de Estado, e não apenas juízes e procuradores. Sem a previsão de responsabilização legal, esses agentes acreditavam estar acima da lei, avalia Oliveira. Ele citou outros casos de abuso para ilustrar o que a nova lei busca coibir, dentre eles, como o uso indevido das conduções coercitivas pelos integrantes da Lava Jato.

O advogado explicou que essa ferramenta é utilizada quando uma pessoa, diante de uma convocação, se recusa a comparecer por mais de uma vez diante do juiz ou da autoridade policial. E cita o caso específico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levado à força para prestar depoimento em março de 2016, em condução coercitiva autorizada pelo então juiz Sergio Moro.

“O que nós vimos foi um verdadeiro espetáculo patrocinado por promotores e juízes relacionados com a mídia. Conduziram o ex-presidente para um depoimento que sequer ele havia sido comunicado. Se fosse, como ele mesmo disse, compareceria ao juiz que queria ouvi-lo.” Outro caso de abuso cometido por Moro foi a divulgação de conversas de Lula com a então presidenta Dilma Rousseff, naquele mesmo ano. O grampo extrapolava o prazo legal da interceptação concedida pela própria Justiça e, por incluir Dilma, deveria ter sido remetida ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Jorge Folena de Oliveira lembrou outros casos de abuso de agentes do Estado contra cidadãos. “Tivemos um caso de uma juíza decretou a prisão de uma menor numa cela com adultos. É um caso típico de abuso. Pessoas nas comunidades pobres e favelas são violentadas pela polícia, que entram na casa das pessoas, à noite, sem autorização judicial. Outra juíza do Rio de Janeiro, há cerca de dois anos, determinou penhoras judiciais em 7 mil processos, sem examiná-los. Pessoas tiveram contas bancárias, venda de imóveis comprometidas.”

Outros pontos passam a ser crime

–   Invadir ou adentrar imóvel à revelia da vontade do ocupante sem determinação judicial. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.

–  Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação de comparecimento ao juízo. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.

– Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.

– Grampear telefone, interceptar comunicações de informática ou quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: de dois a quatro anos de prisão, mais multa.

– Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.

– Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado. Pena: de seis meses a dois anos de prisão, mais multa.

– Insistir em interrogatório de quem tenha optado por ficar em silêncio ou pedido assistência de um advogado. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.

– Manda prender em manifesta desconformidade com a lei ou não soltar alguém quando a prisão for manifestamente ilegal. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.

– Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento. Pena: de um a quatro anos de prisão, mais multa.