Negociações

Senado decide votar PEC do Trabalho Escravo antes de regulamentar expropriações

Emenda constitucional deve ser apreciada por senadores na terça-feira (5). Para governo, projeto de lei sobre expropriações avançou, mas ainda não é ideal

Verena Glass/Repórter Brasil

Jucá fez mudanças no texto, mas regulamentação ainda pode significar retrocesso

São Paulo – Houve uma mudança de prioridades no Senado Federal em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438, conhecida como PEC do Trabalho Escravo. Na semana passada, os senadores estavam decididos a votar primeiro um projeto de lei para regulamentar as mudanças constitucionais trazidas pela PEC. Só então, quando seu alcance estivesse bem delimitado, colocariam a emenda em votação. Agora, a ideia é retomar o curso natural das matérias legislativas: votar a PEC antes e depois regulamentá-la.

“Ou seja, o carro voltou pra atrás dos bois, como deveria ser normalmente”, comenta à RBA uma fonte do Executivo empenhada nas negociações do projeto de lei que regulamentará a PEC do Trabalho Escravo. Pelo menos quatro ministérios estão pressionando o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do texto, a adequá-lo à atualidade do combate à escravidão no país: Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Relações Institucionais, Ministério do Trabalho e Emprego e Casa Civil. Se os acordos prosperarem, a PEC deve ser votada na terça-feira (5).

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“Acredito que será aprovada, inclusive de forma relativamente unânime. Ninguém vai se colocar publicamente contra a PEC no plenário”, continua a fonte governamental. “A batalha agora está na regulamentação. Essa é a grande briga. E nossa luta é para que haja avanço e não retrocesso.”

Contexto

Apresentada em 2001, a PEC do Trabalho Escravo passou pela Câmara dos Deputados em maio do ano passado. Desde então, está empacada no Senado por falta de acordo entre os parlamentares. A principal inovação da proposta é punir com expropriação os donos de imóveis rurais e urbanos flagrados empregando mão de obra em condições análogas à escravidão. Os bens seriam destinados à reforma agrária, se o crime for cometido no campo, ou à habitação popular, se for flagrado na cidade.

O endurecimento das penas é vista como um avanço pelos órgãos responsáveis por combater o trabalho escravo que ainda perdura no Brasil. No entanto, os produtores rurais temem que as mudanças constitucionais abram espaço para injustiças contra empresários. Por isso, e como têm força no Senado, pretendiam regulamentar a PEC, antes mesmo se sua aprovação, com um projeto de lei para delimitar seu alcance. E pretendiam fazê-lo, como informou a RBA, restringindo a conceituação de trabalho escravo.

Esse era o principal problema identificado pelo governo no projeto relatado por Romero Jucá. E continua sendo. Além das convenções internacionais, há no país uma série de definições e detalhamentos sobre o tema: o artigo 149 do Código Penal, a Instrução Normativa nº 91, de 2011, e o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo, editados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O texto do senador roraimense descarta todo esse arcabouço legal e administrativo para lançar mão de uma limitada definição de trabalho escravo.

A matéria de Jucá considera apenas quatro aspectos: 1) submissão a trabalho forçado, sob ameaça ou punição, ou com restrição de liberdade; 2) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte pelo trabalhador, como forma de mantê-lo no local de trabalho; 3) manutenção de vigilância ostensiva ou apropriação de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, para mantê-lo no local de trabalho; e 4) restrição de locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador.

Disputas

“Ainda não chegamos a nenhum acordo sobre o tema do trabalho degradante, porque o texto proposto pelo governo continua muito genérico”, insiste Romero Jucá em entrevista à RBA. “Você não pode colocar na lei os conceitos de trabalho extenuante ou degradante como uma coisa genérica. Você não pode criar uma regra que fique muito aberta, para o fiscal enquadrar como bem entender. Meus assessores às vezes trabalham até a meia-noite. Isso é trabalho escravo?”

O senador, contudo, cedeu em alguns aspectos. Na semana passada, o projeto de lei para regulamentação da PEC previa que apenas poderiam ser alvos de expropriação os donos de imóveis que explorassem diretamente mão de obra escrava. “Eles encaminharam pedido para colocar que, se o administrador ou dirigente ou preposto do proprietário cometer o crime, isso não inibe a responsabilidade do dono do imóvel”, explica. “Eu estou concordando.”

Outra sugestão absorvida por Jucá diz respeito ao processo legal que redundará na expropriação. O texto do senador propunha que apenas ações penais transitadas em julgado acarretariam na perda dos bens do escravocrata. “Estamos fazendo o trânsito em julgado da ação cível e não mais da ação criminal, porque a criminal poderia ser arquivada por decurso de prazo”, diz. O governo queria que as propriedade pudessem ser revertidas ao Estado já com a decisão da segunda instância. O senador não abriu mão da “ampla defesa” do empresário.

“Houve avanços, mas o texto ainda não é aceitável, principalmente por não trazer como características do trabalho escravo as condições degradantes e a jornada exaustiva”, avalia a fonte do Executivo, considerando que, sem essa definição mais detalhada, a PEC pode significar um retrocesso no combate à exploração de mão de obra análoga à escravidão no país. “O grande problema é a conceituação. É isso que está em batalha. O texto atual retorna para o que havia em 2003 e coloca trabalho escravo apenas como restrição de liberdade do trabalhador.”

“Estou conversando com todo mundo”, se defende Jucá. “A grande maioria dos produtores rurais não usa e não quer usar trabalho escravo. Temos de ser duros com isso, mas não podemos criar uma lei frouxa, que dê margem a diversas interpretações, e provocar insegurança na produção agrícola. Isso pode levar o Brasil a uma posição fictícia de líder mundial no ranking do trabalho escravo. Essa condição pode ser usada contra o país no exterior, com reflexos na balança comercial. É preciso tomar cuidado.”

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