Análise

Vannuchi diz que ruralistas distorcem lei para barrar luta contra trabalho escravo

Colunista da Rádio Brasil Atual diz que projeto de Romero Jucá tenta, 'de contrabando', atender bancada ruralista 'atrasada' e evitar destinação à reforma agrária de terras com flagrante de escravidão

Marcos Oliveira/Senado

Jucá entende que conceito de trabalho escravo deixa margem a interpretações subjetivas e abusos

São Paulo – O analista político Paulo Vannuchi avalia que o debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional 438, de 2001, a chamada PEC do Trabalho Escravo, está dominada por distorções levadas ao Congresso pela bancada de representantes do agronegócio, a mais numerosa do Legislativo brasileiro.

Após uma penosa tramitação na Câmara, com uma distância de oito anos entre a primeira e a segunda votação, a proposta estancou no Senado graças à atuação dos ruralistas, que entendem que o conceito de trabalho escravo não está bem definido, o que poderia levar a interpretações tendenciosas do fiscal do trabalho para prejudicar o proprietário, que perderia suas terras por um relatório injusto. “A mentira e a distorção são velhas práticas nesse debate”, disse o colunista da Rádio Brasil Atual em seu comentário hoje (6). “Não há casos reais em que as pessoas tenham sido resgatadas do trabalho escravo por bobagens, como a espessura do colchão em que dormia, e sim quando se caracterizam as várias situações da escravidão pela dívida, da humilhação, de condições insalubres, o trabalho exaustivo, penoso e abusivo na jornada, a quebra do direito de ir e vir, inclusive a violência física.”

A ponta de lança da nova ofensiva do agronegócio é o projeto de lei do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que visa a remodelar o conceito de trabalho escravo, já definido pelo Código Penal. O parlamentar aproveita para decidir em sua proposta que apenas após esgotados todos os recursos a terra poderia ser expropriada e destinada à reforma agrária. Inicialmente, a vontade dos ruralistas era votar este projeto e deixar para depois a PEC, mas, após negociações com o governo, ficou definido que a emenda constitucional será apreciada antes.

“Agora, o relator Romero Jucá, do PMDB, introduz esse contrabando para atender essa bancada ruralista atrasada que distorce, que diz que autuação contra trabalho escravo é porque não tinha beliches, não tinha colchões de espessura adequada. Isso não é verdade. Isso é a mesma argumentação do período da outra escravidão que terminou com a Lei Áurea da princesa Isabel, de 1888”, avalia Vannuchi.

O analista foi ministro da Secretaria de Direitos Humanos no governo Lula e presidiu a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Ele entende que houve uma evolução desde a promulgação da Constituição, em 1988, e em especial de 1995 para cá, com o aumento da fiscalização e a criação de novas medidas de combate à prática, enraizada em alguns setores produtivos brasileiros, herdeiros diretos da mentalidade que garantiu três séculos e meio de escravidão “legal” no país.

“É preciso que a PEC seja aprovada, removido esse contrabando”, defende. “O governo fica muito tímido diante disso e a presidenta Dilma precisa do apoio parlamentar do PMDB, porque o seu partido, o PT e seus aliados mais firmes, não têm votos suficientes para constituir maioria parlamentar para que o governo siga exitoso em um regime democrático. O PMDB traz uma imensa bancada ruralista, e nessa bancada existem esses elementos mais retrógrados que conseguiram convencer o senador Jucá a introduzir essa proposta que altera e desvirtua inteiramente a PEC.”