Executivo e Legislativo criticam STJ por inocentar estuprador de três menores

Entedimento do tribunal foi de que réu não poderia ser acusado porque as meninas 'já se prostituíam' na época do crime

São Paulo – Decisão tomada esta semana pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em caso de estupro de menor provocou reações indignadas de defensores dos direitos humanos, no Executivo e no Legislativo. No entendimento da Terceira Seção do STJ, um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos não poderia ser considerado culpado no processo em questão porque as menores se prostituíam. “Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo”, afirmou a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura. Pelo Código Penal, praticar sexo com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, informou que encaminhará solicitação à Procuradoria Geral da República e à Advocacia Geral da União para analisar “medidas cabíveis” para reverter a decisão. “Entendemos que os direitos humanos de crianças e adolescentes jamais podem ser relativizados, Com essa sentença, um homem foi inocentado da acusação de estupro de três vulneráveis, o que na prática significa impunidade para um dos crimes mais graves cometidos na sociedade brasileira”, disse a ministra. “Esta decisão abre um procedente que fragiliza pais, mães e todos aqueles que lutam para cuidar de nossas crianças e adolescentes.”

O debate, no caso, era se a presunção da violência no crime tem caráter absoluto ou relativo. Prevaleceu o segundo entendimento. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em seu julgamento, também considerou a conduta das meninas para se decidir. “A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe se serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, sustentou o TJ. “Consideramos inaceitável que as próprias vítimas sejam responsabilizadas pela situação de vulnerabilidade que se encontram”, reagiu Maria do Rosário.

A Comissão de Direitos Humanos do Senado também condenou a decisão do STJ, que manteve o entendimento do TJ paulista. “Tenho esperança de que o Poder Judiciário fará uma reflexão e voltará atrás”, afirmou o presidente da comissão, Paulo Paim (PT-RS).

O ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda considerou a decisão “uma ruptura com paradigmas de direitos humanos laboriosamente construídos de forma coletiva desde a Constitução de 1988”. Crianças não escolhem ser prostitutas, são sempre vítimas, acrescentou. “Até essa lamentável sentença, prostitutas eram pessoas que escolhiam sê-las”, afirmou Nilmário, atual presidente da Fundação Perseu Abramo. “Nas últimas décadas, dezenas de milhares de operadores do sistema de garantias de direitos de crianças e adolescentes buscaram desenvolver consciência coletiva de que toda criança ou adolescente comercialmente entregue à exploração sexual é vítima, nunca protagonista.”

Para ele, a decisão da ministra é um retrocesso, “uma volta ao passado da sociedade e do Estado que fechavam os olhos à vergonha da exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes”. Nilmário manifestou receio de que a medida dê “alento à legião de traficantes da dignidade de crianças, pedófilos e a rede de exploradores deste comércio por malfeitores”.

O Direito não é estático e deve se amoldar às mudanças sociais, disse a relatora do processo. Segundo ela, “a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais”. Ela se manifestou contra a ideia da presunção absoluta “em fatos como os tais se a própria natureza das coisas afasta o injusto da conduta do acusado”.

Com informações da Agência Senado