Usuários de crack continuam ‘procissão’ fora da ‘cracolândia’, mas no centro de São Paulo

Quadrilátero nas redondezas da rua Guaianases é novo local de concentração do tráfico de crack entre os usuários. Três meses depois do início das abordagens policiais na Luz, o governo estadual exalta o 'fim' da cracolândia

As ruas Helvétia e Dino Bueno apresentam movimentações pontuais após três meses de operação. Usuários migraram para outras ruas do centro (Foto: Gerardo Lazzari/RBA)

São Paulo – Três meses após o início da operação policial de repressão ao tráfico na Luz, bairro da região central de São Paulo, chamado de “cracolândia”, grupos de usuários ainda se reúnem em pontos de menor visibilidade do centro de São Paulo. Desde janeiro, eles têm migrado da área considerada pelo governo como “antigo” ponto de tráfico e consumo de crack entre as ruas Helvétia e Dino Bueno, para o quadrilátero formado pelas ruas Guaianases e Gusmões, alameda Barão de Limeira e avenida Duque de Caxias. As aglomerações permanecem frequentes, ainda que o efetivo da Polícia Militar esteja presente. Tanto governo como a administração municipal – que deram o aval para as ações de segurança pública na Luz –comemoram publicamente o “sucesso” na empreitada contra o uso do crack na área.

A reportagem esteve ontem (28) no local no período entre cinco da tarde e oito da noite, quando é observado maior movimento de usuários. Em torno das seis horas, um grupo de aproximadamente 40 pessoas circulava pelas calçadas – algumas, visivelmente alteradas, andavam pelas ruas – para se concentrar em frente a um estacionamento fechado na esquina da Guaianases com a rua Vitória, próximo a uma base móvel e de duas viaturas da Polícia Militar que estavam ali estacionadas. A circulação das pessoas se dava em ciclos: uma vez que as pedras da droga eram repassadas pelos traficantes, uma nova leva de usuários seguia em direção ao grupo, caracterizando uma rotina. Passada meia hora, dois policiais da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) agiram na dispersão dos usuários que, àquela altura, já tomavam parte da rua.

Os policiais repetiram a abordagem, desta vez subindo na calçada montados em motos a fim de espantar os remanescentes. Dali o grupo seguiu, dividido, às ruas das redondezas. Numa via adjacente, as pedras de crack eram vendidas de usuário para usuário sem grande alarde. Enquanto isso, vendedores ambulantes dividiam espaço e tinham visão total da cena. “Para acabar com isso aí, só dando veneno de rato”, comentou um homem que vendia bananas em uma esquina da avenida Rio Branco, em frente à rua Vitória. Contrariado, disse que os usuários que perambulam no local estariam atrapalhando suas vendas. Não é uma opinião solitária: em pesquisa Datafolha feita em janeiro, logo após o início da Operação Sufoco, 82% dos entrevistados apoiaram as abordagens policiais.

A situação no quadrilátero contrasta com a atual rua Helvétia, que, apesar de receber menos dependentes, ainda registra pequenos grupos isolados. A Cristolândia, onde os usuários recebem orientação religiosa e fazem refeições durante o dia, estava vazia já no início da tarde. No lugar de um dos prédios demolidos pela prefeitura em janeiro foi construído um Centro de Apoio ao Trabalhador (CAT), batizado de “Nova Luz”. Perto dali, na Sala São Paulo, um caminhão-pipa lavava as calçadas e “preparava” o local para um ensaio aberto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo a ocorrer naquela noite.

O prefeito Gilberto Kassab (PSD) se esquivou anteontem (27), durante inauguração do Complexo Prates, de questões relacionadas ao fim da cracolândia na cidade. Ele limitou-se a dizer que, comparado há dois meses, o centro está “melhor” hoje. Já o governador do estado, Geraldo Alckmin (PSDB), vê sucesso na Operação Sufoco. “O movimento por lá diminuiu muito. Antes tínhamos em torno de mil pessoas, hoje temos umas 70 ou 80”, calculou. A Polícia Militar afirma que a data para o início da ação não foi deliberada aleatoriamente, havendo prévio planejamento e trabalho de inteligência. Mesmo com a abertura do Complexo que deverá receber os usuários da região da Luz para tratamento, não há previsão de término das abordagens policiais, de acordo com os administradores da Operação.

Movimentos de defesa dos direitos humanos consideram a tática conjunta higienista e criticam a falta de políticas sociais para os usuários antes da repressão policial. O coordenador da Pastoral do Povo de Rua, padre Júlio Lancelotti, faz visitas regulares ao local de concentração do fumo, e rebate as afirmações de que a cracolândia tenha acabado. “A situação que eles vivem lá é terrível. O barulho à noite e movimentação representam as mesmas condições de sempre”, disse.

A concentração de moradores em situação de rua junto com os usuários também chama a atenção. A vice-prefeita e secretária municipal de Assistência Social, Alda Marco Antônio, chegou a afirmar nesta semana que não existem moradores nas ruas de São Paulo por motivo de pobreza. “A prefeitura tem um aparato imenso para atendê-los. As recusas que eram grandes. As pessoas não aceitavam os serviços da rede porque não queriam ir para os albergues”, declarou. A aposta da administração municipal para implementar políticas públicas é atendê-los nas unidades de saúde e assistência social da rua Prates.