Entidades acusam Planalto de mudança “autoritária” em projeto contra tortura

Secretaria de Direitos Humanos emite nota garantindo que sociedade civil terá maioria em comitê para coibir casos de violações, mas sociedade civil ameaça recorrer à ONU

A ministra Maria do Rosário garantiu que o Comitê contra a Tortura terá maioria da sociedade civil, mas não comentou os critérios para a nomeação dos integrantes (Foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil)

São Paulo – Organizações que lutam pelo respeito aos direitos humanos emitiram críticas ao projeto de lei enviado pela Presidência da República ao Congresso criando o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Preventivo Nacional. A Pastoral Carcerária e a Justiça Global divulgaram nota afirmando que uma alteração feita de última hora no texto “deixou a marca de um ranço autoritário”.

Eles referem-se à previsão de que fique restrito ao gabinete da Presidência a nomeação dos integrantes do Comitê Nacional, o que, segundo as organizações, desrespeita o acordo fechado após negociações. A criação deste instrumento é prevista pelo Protocolo Facultativo à Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Tortura, um tratado ratificado pelo Brasil em 2007, mas foi apenas no fim de setembro que, aproveitando a visita do Subcomitê da ONU contra a Tortura, o governo enviou o texto ao Congresso.

“A sociedade civil repudia essa manobra política de última hora dada pelo Palácio do Planalto e prepara uma denúncia sobre o fato ao Subcomitê da ONU”, indica o comunicado emitido pelas duas entidades, que defendem que o acordado previa um processo de seleção “público e participativo” de integrantes do Comitê Nacional. O entendimento é de que o projeto desrespeita o que está previsto no tratado da ONU, que de fato fala em uma escolha ancorada na participação social. 

“O processo de nomeação público e participativo que estava contemplado na antiga redação do PL garantiria a independência funcional dos dois órgãos nacionais”.  Por isso, Pastoral Carcerária e Justiça Global entendem que o texto apresentado ao Legislativo não assegura a autonomia financeira dos colegiados contra a tortura, a imunidade dos membros durante o mandato e o livre acesso, sem prévio aviso, a qualquer unidade de privação de liberdade, como prisões, estabelecimentos para adolescentes, carceragens e hospitais psiquiátricos. Eles apontam que o projeto não garante que o Comitê Nacional fique livre de “apadrinhamento ou pressão política”.

Independência não será afetada

Em nota, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, garantiu que o projeto não vai tolher a independência do organismo de combate à tortura. Para ela, trata-se de um instrumento inédito “dedicado exclusivamente ao enfrentamento dessa grave violação dos direitos humanos”.

O comunicado não responde, porém, à dúvida sobre a prerrogativa exclusiva da Presidência sobre a nomeação dos integrantes. A ministra ressalta a importância da medida e informa que, dos 23 membros, 11 serão representantes de órgãos do Executivo federal e 12 serão de conselhos de classe profissionais ou de organizações da sociedade civil. “O Comitê terá, portanto, maioria de representantes não-governamentais e será responsável pela indicação dos 11 peritos que formarão o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, estrutura com total independência e autonomia para a fiscalização permanente das instituições de privação de liberdade no nosso país”, indica o texto, que considera que foram observados os princípios estabelecidos pelas Nações Unidas.