equívoco

Fórum Mundial de Direitos Humanos no Marrocos foi aposta arriscada

Num país com pena de morte, presos políticos e repressão a movimentos sociais, evento serviu para satisfazer o rei e em nada contribuiu para a causa em escala mundial

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Protesto pela autonomia do povo saharaouni no Marrocos: país desrespeita direitos humanos, mas sediou fórum mundial

O Primeiro Fórum Mundial de Direitos Humanos, realizado em Brasília em dezembro de 2013 e organizado pela Secretaria de Direitos Humanos, ainda sob o mandato da Maria do Rosário, foi um evento importante e representativo. Com participantes de mais de 70 países, foi tão amplo que, já na sua abertura, a presidenta Dilma teve de enfrentar, dentro do próprio auditório, uma manifestação de protesto organizada por movimentos indígenas.

Ao final daquele evento, porém, foi aceita a proposta de que o segundo fórum fosse realizado no Marrocos. Uma decisão que causou estranheza nos meios ligados aos direitos humanos, dado o caráter do regime político do país, que submete a sociedade marroquina a precárias e pouco confiáveis condições de direitos humanos.

O evento no país árabe começou no último dia 27 e se encerra hoje (30), marcado por problemas.

Para começar, o Marrocos ainda tem pena de morte. Alega-se que há anos ela não é aplicada. Mas o mais importante é que o regime – no caso, o rei – continua a se reivindicar o direito de tirar a vida de pessoas.

Em segundo lugar,  por se tratar de um regime monárquico em que o rei concentra grande parte do poder. Junto com a Jordânia, são os únicos países da região que ainda se mantém monárquicos.

Além disso, há grande quantidade de presos políticos no Marrocos. Uma parte são ligados à Frente Sarahoui, que reivindica a autonomia do Saara Ocidental, reivindicação reconhecida pela ONU, mas desconhecida pelo governo do país.

Há também presos de movimentos vinculados à chamada Primavera Árabe. No momento do surgimento deste movimento, o governo tolerou sua existência, mas depois prendeu muitos de seus ativistas e os mantém encarcerados.

Há ainda que registrar limitações ao livre direito de manifestações. Além de muitas serem são proibidas, os movimentos que as convocam são reprimidos com truculência.

Por esse conjunto de fatores, houve vários protestos, dentro e fora do Marrocos, pelo boicote ao fórum, liderado por organizações como Attac e outros, do próprio Marrocos. No Brasil, a Via Campesina e o MST também manifestaram essa posição. Um abaixo assinado encabeçado pelo Prêmio Nobel Perez Esquivel, igualmente reafirmou contrariedade.

Mais além da discussão sobre a efetividade ou não do boicote ou de uma atuação de dentro do Fórum, o certo é que as limitações que haviam sido apontadas se expressaram de diferentes maneiras.

Na própria abertura do evento, somente dois oradores – o ex-primeiro ministro espanhol Jose Luiz Zapatero e a presidenta do Comitê Internacional Contra a Pena de Morte – tocaram neste tema. Nenhum outro dos aspectos constrangedores, entre eles, os presos políticos ou a reivindicação dos sarahuois, foram mencionados. Um clima de abertura fortemente contrastante com o que tinha dado a tônica no Brasil.

Provavelmente por esse conjunto de fatores, apesar da extensa lista de personalidades anunciadas – entre elas o Secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon, e a Diretora Geral da Unesco, Irina Bokova – não compareceram. Também deste ponto vista não foi um fórum expressivo e representativo, a ponto que a personalidade política mais expressiva foi o ex-primeiro ministro Zapatero, um personagem político já de muito pouco relevo na própria Espanha.

Nem sequer houve sinalizações do governo marroquinho de avançar na direção do respeito dos direitos humanos, como por exemplo, o fim da pena de morte e a anistia de presos políticos.

Em vez disso, a realização do fórum foi amplamente usada pela mídia do país para propagar que a escolha confirmaria que o Marrocos seria uma referência internacional no respeito dos direitos humanos, o que provavelmente deixou o rei Muhammad VI satisfeito.

O evento pode até ter representado um espaço de articulação dos movimento de direitos humanos dentro do Marrocos, mesmo que o mais importante deles tenha optado pelo boicote ao Fórum. Mas a aposta de fazer o Segundo Fórum Mundial dos Direitos Humanos em um paés com todos esses problemas, parece ter sido bastante equivocada e em nada fortaleceu a luta pelos direitos humanos em escala mundial.