mitologia

O PMDB e a Odisseia imposta ao governo Dilma

O religioso e assessor de movimentos sociais Frei Betto vê no partido características que questionam as razões para ser chamado de 'base aliada'

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Ulisses se amarra ao mastro para resistir ao canto das sereias: paralelos com o papel do PMDB no Congresso

O PMDB está à frente das duas Casas Legislativas brasileiras, a Câmara dos Deputados e o Senado. A Câmara é presidida por Henrique Eduardo Alves, mas há toda uma intensa atividade de bastidores para que seja eleito Eduardo Cunha, também PMDB, uma pessoa que o Executivo não “engole” facilmente. O Senado é presidido por Renan Calheiros, que inclusive é o presidente do Congresso – o conjunto das duas Casas Legislativas.

Nem na Roma Antiga, que era republicana, esse fenômeno parecia possível, um partido que domine toda a legislatura. Em nome da divisão de poderes, lá na Roma Antiga, as famílias nobres cultuavam a diversidade como uma espécie de antídoto ao absolutismo. Aqui não. No Brasil, a cobra fuma e não expira.

O PMDB terá, a partir do ano que vem, uma bancada de 19 senadores, 66 deputados federais e governará sete estados. A gente sabe que é um partido repartido em tendências, inclusive antagônicas. Nele, há de tudo. Desde o testemunho ético de um Pedro Simon, senador pelo RS, às recorrentes denúncias de corrupção que historicamente pesam sobre alguns de seus líderes.

O PMDB pratica, mais que a democracia, a demoarquia, que é originária do verbo grego “arquem”, que significa ser o primeiro, estar à frente, no sentido de comandar processos.
Ora, para que plebiscito se, há décadas, vivemos em um regime parlamentarista?

O PMDB exerce a função de primeiro-ministro, mas o Executivo é quem preside. Ou, quem sabe, estamos, sem nos dar conta, em plena monarquia. A família peemedebista se sucede nas instâncias de poder com direito a conceder, a correligionários e aliados cargos e prebendas. Atualmente, o PMDB disputa acirradamente a nomeação dos novos ministros da presidenta Dilma.

Não importa que os discursos sejam outros. Na Inglaterra, enquanto o parlamento grita, a rainha reina. Aqui, ocorre o mesmo. Haja o que houver, estamos em mãos do mais despudorado fisiologismo, cujos discursos sobrevoam eloquentemente as práticas do clientelismo e do compadrio.

Se “o mundo gira e a Lusitana roda”, como se dizia antigamente, os governos se sucedem e o PMDB impera. O lema do partido parece ser, ‘se hay gobierno, soy a favor’. Coitado do Dr. Ulysses Guimarães e toda a sua luta por uma democracia participativa.

Homero, autor da saga clássica ‘Odisseia’, escreveu que Ulisses encontrou na Ilha das Sereias curiosas criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos de pássaros, que com doces canções atraiam os marinheiros ao encontro das rochas. Quando o barco de Ulisses se aproximou, uma calmaria se abateu sobre o mar e a população se utilizou dos remos.

De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os ouvidos da população com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro de modo que pudesse ouvir essa canção que atraía os marinheiros rumo às rochas, e poder passar por ela a salvo. ‘Aproxime-se, Ulisses’, cantavam as sereias.

Ulisses resistiu, mas quantos a bordo do “transgoverno” chamado PMDB são capazes de tapar os ouvidos ao canto das sereias?

Narra ainda Homero, que Penélope, fiel esposa de Ulisses, rejeitou todos os pretendentes, aqueles que queriam ficar com ela, pois o marido estava em longa viagem pelos mares e provavelmente teria morrido e não voltaria.

Até que um dia surgiu um mendigo, tomou o arco que era de Ulisses e conseguiu disparar uma flecha, coisa que nenhum outro homem havia conseguido até então. Na mesma hora, Penélope reconheceu nele o seu amado marido.

A democracia brasileira espera, como Penélope, o dia que poderá reconhecer sua plenitude na inclusão social daqueles que hoje se nos apresentam como o maltrapilho Ulisses, as 16 milhões de pessoas que neste país ainda se encontram em situação de miséria.

Ouça o comentário de Frei Betto na Rádio Brasil Atual: