Islândia: uma lição de democracia à Europa ‘austera’ – parte 4

Ministro Steingrímur, em seu gabinete: agir rápido foi fundamental (F. Aguiar/RBA) Continuando minha autêntica “saga” pela crise islandesa e sua solução original, fui conversar com Steingrímur Sigfússon, atual ministro da […]

Ministro Steingrímur, em seu gabinete: agir rápido foi fundamental (F. Aguiar/RBA)

Continuando minha autêntica “saga” pela crise islandesa e sua solução original, fui conversar com Steingrímur Sigfússon, atual ministro da Indústria e da Inovação. Mas quando o governo verde (seu partido) e social-democrata substituiu o governo conservador anterior, ele foi imediatamente nomeado ministro das Finanças. Foi quem liderou, a partir de 2009, a “solução islandesa”, até recentemente, quando trocou de ministério. Em conversas informais com outras pessoas, cheguei a ouvir que fora ele “quem salvara o país”.

O ministro estimou que houve muito a aprender com a crise. A Islândia tinha uma economia superaquecida, com um sistema bancário gigantesco para o país, e sem qualquer supervisão. Todas as falhas de gerenciamento das instituições financeiras foram objetos de uma investigação parlamentar concluída em 2010. Em poucos dias, disse ele, a Islândia perdeu 85% de seu sistema bancário. Instalaram-se três crises: do setor financeiro; uma crise da moeda, com uma desvalorização brutal da krona; e uma crise econômica, com a retração da produção, do comércio etc.

Mas a Islândia escolheu o seu próprio modelo – que pode ser estudado, mas com o cuidado de levar em conta que cada país é diferente do outro. O ministro insistiu em dizer que não tem cabimento a Islândia colocar-se no papel de um pregador a distribuir receitas para o mundo. “As bases de nosso modelo”, disse ele, “foram”:

1) Proteger o sistema de bem-estar social;

2) Agir imediatamente;

3) Equilibrar a austeridade com aumento seletivo de impostos. Nosso sistema tributário, que tinha uma alíquota única, foi reformado. Criaram-se três alíquotas, de modo que os mais ricos e os ganhos de capital contribuíssem mais. E aumentamos o imposto sobre tabaco e álcool.

“Além disso, ajudamos os desempregados, transferindo recursos do seguro desemprego para a educação, de modo a que eles pudessem ter treinamento. A nossa economia voltou a crescer e o desemprego caiu, provando que tomamos medidas certas do ponto de vista social e também do econômico”, prosseguiu.

O ministro foi muito enfático ao explicar e defender alguns dos itens listados acima. Por exemplo, o modo de enfrentar o desemprego. “Com a transferência daqueles recursos”, salientou, “conseguimos impedir que os desempregados ficassem nas ruas. Em vez disso, foram para a escola”. Também enfatizou que se tentou um equilíbrio entre cortes orçamentários internos ao governo e eventuais cortes na área social, possibilitando, mais tarde, a compensação desses últimos.

Coloquei ao ministro uma questão para mim de difícil compreensão. A Islândia realizara no sábado, dia 20, um plebiscito nacional sobre a nova Constituição a ser votada pelo Parlamento, depois de um amplo processo de debate e formulação de um anteprojeto por uma Comissão eleita de 25 cidadãos sem vinculação partidária. O plebiscito abordava seis pontos (ver primeiro artigo dessa série – o link está ao fim da página).

O terceiro deles perguntava se deveria constar da Constituição a existência de uma religião oficial, no caso, a evangélica luterana, preservada, é claro, a ampla liberdade de crença ou descrença. Esse ítem foi aprovado por 57,5% dos votantes, e rejeitado por 42,5%. Foi a votação mais apertada do plebiscito, mas assim mesmo a vantagem do “sim” foi bastante significativa.

“O que me surpreendeu”, eu disse, “foi ouvir de pessoas manifestamente sem crença religiosa, ateias ou agnósticas, que tinham votado pela manutenção de uma religião oficial”.

Depois de alguns instantes de reflexão, o ministro confirmou que também tinha ouvido esta afirmação de pessoas que ele sabia não serem religiosas. “Eu acho”, disse ele, “que muitas pessoas associam a existência de uma religião oficial a um sentido de estabilidade”. “Nos últimos tempos”, continuou, “houve tantas mudanças no país, antes da crise, durante, e agora, que parece que as pessoas precisavam assegurar algum fator de permanência, de segurança”.

A seguir, perguntei-lhe sobre o euro. Se a Islândia fosse um membro efetivo da União Europeia, e se tivesse, por exemplo, o euro como moeda, em vez da coroa, não poderia ter escolhido o caminho original que acabou preferindo. “Ao contrário”, enfatizei, “teria de, como a Grécia, reduzir direitos e não garanti-los. Apesar disso, há quem defenda a entrada na UE, e também a adoção do euro, porque a coroa não é uma moeda internacionalmene conversível”.

O ministro me respondeu que essa é uma questão espinhosa, que divide, por exemplo, o próprio governo. “O Partido Social Democrata é a favor da entrada definitiva na UE. O meu partido é contra”. “Nós aprovamos no Parlamento realizar um processo de negociação com a UE sobre nossa entrada nela. Já somos parte da área econômica europeia. Vamos ver agora o que essa negociação nos traz, e então decidir. Mas eu penso que se realizássemos hoje um plebiscito sobre a matéria, o “não” venceria.

“Por outro lado, não houve uma estratégia pensada de manutenção da coroa. Assim aconteceu. Quando a crise explodiu, tínhamos a coroa como moeda e ela foi brutal e repentinamente desvalorizada. Numa primeiro momento isso foi terrível. A dívida pública internacional aumentou muito. Muitos cidadãos, endividados em moedas estrangeiras, ficaram ainda mais endividados. Mas depois isso ajudou nossa recuperação. Restabeleceu nossa competitividade no mercado internacional. Facilitou a obtenção de novos contratos nos estaleiros, ajudou o turismo internacional. Tivemos até de importar mão de obra”.

Ao final da entrevista ele reiterou: “sem querer dar receitas para ninguém, devo dizer que tomamos as medidas acertadas, no plano social e no econômico”.

“De fato”, saí pensando.

Leia os outros artigos da série “Islândia: lição de democracia à Europa ‘austera'”
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