Islândia: uma lição de democracia à Europa ‘austera’ – parte 3

Viljhálmur Bjarnason, da School of Business da Universidade da Islândia: sistema financeiro foi incompetente e desonesto e quase quebrou o país (CC/Flavio Aguiar/RBA) Em busca de uma explicação para a […]

Viljhálmur Bjarnason, da School of Business da Universidade da Islândia: sistema financeiro foi incompetente e desonesto e quase quebrou o país (CC/Flavio Aguiar/RBA)

Em busca de uma explicação para a crise islandesa e as soluções encontradas, fui conversar com o professor Viljhálmur Bjarnason, da School of Business da Universidade da Islândia. Para o professor, deve-se ressalta, em primeiro lugar as características particulares da crise em cada país, e também a atmosfera política de cada um, em que as saídas estão sendo buscadas.

Na conversa, que se estendeu por algumas horas, Bjarnason usou a Grécia como termo de comparação. No caso grego o responsável pelo endividamento foi o setor público, através de um governo que, inclusive, maquiou números tanto para entrar na União Européia, quanto para obter um volume maior de empréstimos.

Já na Islândia, os responsáveis pelo endividamento estavam no setor privado, em particular nos três grandes bancos do país que quebraram – o Landsbanki, o Glitnir e o Kaupthing. E eles não quebraram de um hora para outra, embora tenha havido um momento dramático, entre o final de setembro e o começo de outubro de 2008.

O professor destacou que a crise, na verdade, começou em 1998, com a privatização do sistema bancário, até então estatal. Por quê? Porque a partir daí não houve qualquer supervisão, controle, nada. Os bancos passaram a agir inteiramente por conta própria, captando empréstimos gigantescos no exterior, em cifras muito maiores que o próprio PIB islandês.

Formou-se uma gigantesca bolha financeira (talvez o termo mais adequado fosse “bola de neve”…) sem controle no setor financeiro do país, com ramificações internacionais através de filiais e subsidiárias no exterior, como na Irlanda, no Reino Unido, nos Países Baixos.

Segundo ele, uma geração de managers do sistema bancário – alguns sem preparo, outros ocultando informações – quiseram transformar a Islândia numa nova Suíça do mercado financeiro internacional. Só que, destacou, a Suíça levou 200 anos para chegar a ser um centro financeiro mundial relevante. E na Islândia quiseram fazer isso em dez ou cinco anos.

“Muitos desses managers foram meus alunos”, disse ele. “E eu sabia que eles não tinham o preparo necessário para gerir operações daquele porte”, contou. Além disso, houve os que agiram de forma desonesta. O professor é taxativo: 30 homens e três mulheres foram os responsáveis diretos pela crise criada. “É muito difícil provar isso num tribunal”, ressaltou. “Mas esses são os fatos. Um número muito pequeno de pessoas conseguiu manipular o setor financeiro do país, levando este de roldão quando os bancos quebraram”.

Os sinais de que as coisas tendiam ao desastre começaram a se acumular desde 2003, e se aceleraram em 2007. No segundo semestre de 2008 os três grandes bancos deixaram de receber aportes do exterior para rolar suas dívidas. Faliram. O Estado teve de nacionalizá-los, absorvendo seus débitos. A dívida pública da Islândia, que era pequena, menos de 30% do PIB, deu um salto, catapultada também pela desvalorização da coroa, a moeda nacional, diante do euro e do dólar, principais moedas do endividamento. 

Fundos no exterior foram congelados. O governo também congelou fundos em euro e em dólar internamente. Instalou-se uma crise com o Reino Unido e os Países Baixos, porque os governos desses países ressarciram os credores dos bancos islandeses e exigiram que o governo de Reykjavik cobrisse as indenizações.

A seguir o professor analisou as razões, na sua opinião, para que a Islândia se recuperasse tão rapidamente da crise, embora a situação esteja longe de ser inteiramente confortável. Segundo ele, o país se reequilibrou devido a três prioridades.

Em primeiro lugar, ao reestruturar o sistema bancário, o novo governo – depois da queda do governo conservador – privilegiou os depósitos, não os empréstimos. Não caberia privilegiar o sistema bancário internacional privado. Com isso muitos cidadãos foram poupados. Em segundo lugar, protegeu a Empresa de Eletricidade da Islândia, que dessa forma continuou a produzir energia para o país, a indústria e o comércio. Em terceiro lugar, protegeu a Empresa de Reykjavikn que distribui água quente e calor para os lares. Ou seja, a Islândia saiu melhor porque privilegiou os cidadãos, não os investidores financeiros internacionais.

Por quê foi possível agir assim na Islândia? Nessa altura o professor fez uma comparação entre a arraigada tradição democrática islandesa e a tradição não tão democrática de alguns dos países mergulhados na crise européia. Cabe explicar: o Althing, o Parlamento Nacional Islandês, é o mais antigo do mundo em funcionamento contínuo. Fundado em 930 da era cristã, passou por uma solução de continuidade entre 1799 e 1844, quando a Islândia foi anexada à Noruega. Países como Portugal, Espanha, Itália e mesmo a Grécia – onde nasceu o conceito de democracia – tiveram uma tradição fascista ou autoritária muito forte e até mesmo recente, ressaltou.

Penso que esta observação do professor Vilhjálmur que, sem dúvida aponta um fator relevante, deva ser modulada pela de que os governos dos países que “afundaram” na crise estão seguindo determinações exaradas de modo nada democrático em Bruxelas, em Frankfurt e em Berlim, manietando suas economias com planos recessivos sufocantes, chamados de “austeridade”. A Islândia tinha a seu favor uma soberania monetária, através da coroa, e não ficou atada ao euro, nem aos ditames da União Europeia, da qual não é membro pleno. Mas disso trataremos a seguir, em outros comentários.

O professor argumentou também que graças à tal tradição, o Parlamento fez uma investigação completa sobre a crise, concluída em 2010, e que documentou todos os erros e problemas que ocorreram. E que também tomou medidas institucionais, que culminaram no plebiscito de 20 de outubro passado, sobre uma revisão constitucional, o que também será comentado em novo material, muito em breve.