E a oposição na Líbia?

Saindo da chuvosa São Paulo, retorno à ensolarada (mas fria) primavera de Berlim. Vamos logo aos assuntos. Hoje é a Líbia: quem é quem, afinal, na oposição Líbia? Pergunta de […]

Saindo da chuvosa São Paulo, retorno à ensolarada (mas fria) primavera de Berlim. Vamos logo aos assuntos.

Hoje é a Líbia: quem é quem, afinal, na oposição Líbia? Pergunta de difícil resposta, quem disser que sabe na ponta da língua não sabe o que fala.

Fiz um rápido tour pela matéria na imprensa internacional. O quadro é confuso e complicado, apontando para uma situação que poderia, de fato, ser revolucionária, coisa que, sem dúvida, levou também às potências ocidentais à intervenção: contra essa possibilidade, é claro, além de quererem se livrar do ex-arqui-inimigo-recém-benvindo-amigo Muammar Gadaffi, ou Khadaffi, ou Qadaffi, ou Muhammud (como já vi).

Há uma tendência entre comentaristas conservadores no Ocidente em ver na revolta líbia apenas mais uma manifestação do “isalamismo radical”. Nesse ponto convergem com Gadaffi, que disse serem os rebeldes, além de viciados em drogas e Nescafé (sic), motivados pela Al Qaeda. Por trás de tudo estaria uma “National Conference of the Lybian Opposition”, que seria apenas uma fachada para islâmicos oriundos de exílios no Líbano, no Egito, etc.

Claro que há motivados islâmicos entre os revoltados. Mas isso não explica tudo, se é que explica algo. Repórteres que tiveram contato com os lutadores na frente de batalha reportam sobre um corpo de desorganizados jovens, desempregados, mecânicos, comerciantes, lojistas, trabalhadores no petróleo e na engenharia marítima, peões e supervisores da construção civil, e, é claro, alguns religiosos, barbudos e mais disciplinados do que a média. Campeia uma falta de treinamento para os combates, coisa que está muito distante da disciplina férrea com que os militantes islâmicos se entregam à sua causa. Entre os combatentes há também os “shäbab”, jovens estudantes ou desempregados das ruas; entre aqueles, predominam os de computação, engenharia e medicina. Ou seja, tudo aponta para um país que se desorganizou e cuja economia entrou em colapso com uma política de exclusão que roubou a Gadaffi o contato com uma população em vias de empobrecimento em quase todos os níveis.

Em termos de lideranças, onde a situação também é confusa, predominam, ao invés de agentes islâmicos, aqueles que desertaram o regime de Gadaffi, apontando igualmente para uma situação de desorganização do espaço políitco provocada por uma “guerra de exclusão” onde desponta o apetite dos filhos do ditador, ex-coronel “libertário”. Entre as figuras de destaque, alguns são ex-companheiros de Gadaffi no golpe que o levou ao poder em 1969, como, entre os membros que compõem o Comando Militar, Omar Hariri, o general Abdul Fatah Younis, que era ministro do Interior, e o coronel Khalifa Heftir.

Na frente política, em que se formou um Conselho Nacional de 31 membros, despontam Mustafa Abdul Jalil, que foi ministro da Justiça e é o líder reconhecido pela maioria, além do ex-embaixador na Índia, Ali Aziz al-Eisawi e Mohamoud Jebril, que se ocupa de campanhas pelo reconhecimento internacional dos rebeldes.  

O mosaico das oposições parece ser tão responsável por sua dificuldade em avançar, quanto a fragilidade militar de seus quadros e de seu equipamento. Sem o apoio das potências ocidentais, já teriam sido derrotadas. Estas, por sua vez, vivem uma situação aparentemente ímpar na sua história recente: quase não têm oposição `a sua intervenção, já que o regime de Gadaffi se tornou indefensável. Têm apenas de enfrentar críticas e abstenções, como as do Brasil, Rússia e Alemanha, e nenhum movimento sério de contestação de sua intervenção entre suas populações.

Isso só torna o quadro mais preocupante. O regime de Gadaffi, apesar de seu poderio militar, parece estar com os dias contados. Nesse quadro, o pior que pode acontecer é aquele em que as potências do Ocidente, mais uma vez, arbitrarão sobre o novo regime – exatamente como fizeram quando estabeleceram o dominó das ditaduras que hoje estão a tremer no mundo árabe.