Caos no julgamento de Morsi expõe instabilidade do mundo árabe

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Governo do Egito / Ministério do Interior / EFE

O presidente deposto do Egito, Mohamed Morsi (dir): apesar de julgamento adiado, só falta a sentença

Mal começou, já foi suspenso.  Este é o pior veredito para o julgamento do ex-presidente Mohamed Morsi, do Egito, deposto por um golpe militar chefiado pelo general  Abdel Fattah Al-Sisi que, embora com um governo civil nomeado, é de fato o homem forte do novo regime. Novo regime? Nem tanto. Os acontecimentos no Egito levam à consideração de que o que se tem agora é o velho regime de Hosni Mubarak, apenas sem Mubarak.

Prova disto foi a nomeação, algum tempo atrás, do general Mohamed Farid el-Tohamy como novo chefe do serviço secreto egípcio, cargo que Al-Sisi exercia nos tempos de Mubarak. El-Tohamy foi acusado de uma série de atos de corrupção ativa e passiva durante o regime de Mubarak. Agora todas as acusações foram arquivadas e o promotor que o acusava, um coronel do Exército, foi transferido para  um distrito da periferia da capital, onde se torna inócuo em relação àquele processo, mas pode ser vigiado de perto pelas autoridades militares.

El-Tohamy é apontado como um dos mais encarniçados defensores da sangrenta repressão das manifestações da irmandade Muçulmana, de que Morsi é membro e líder, que se seguiram à sua deposição.  O saldo desta repressão é de mais mil mortos – de um único lado, o dos partidários do presidente deposto.

Morsi agora vai a julgamento com mais 14 de seus auxiliares de governo, por “incitação à violência” contra opositores do governo da Irmandade que protestavam perto do palácio do governo antes de sua queda. Houve tiroteio e mortes no confronto, e Morsi é apontado como o principal responsável por elas.

No julgamento compareceram apenas oito dos acusados. Morsi veio em trajes civis, de paletó preto e sem gravata, recusando-se a vestir o traje dos réus, uma espécie de pijama branco. Logo de saída gritoju que era o presidente, que negava a autoridade do tribunal, e que este servia apenas para acobertar o golpe de estado que o depusera.

Seguiu-se, depois de várias declarações pró-Morsi, por parte dos outros acusados presentes, e contra ele, por parte de familiares dos mortos naquele confronto e também por jornalistas egípcios, que chegaram a exigir “a execução” do ex-presidente, alusão à possibilidade de pena de morte caso ele seja condenado – o que deve ser, pode-se dizer de antemão.

Embora o julgamento de Morsi tenha sido então suspenso e adiado até 8 de janeiro, pode-se afirmar com certeza quase absoluta que ele já está feito. Resta saber qual será a pena aplicada.

Uma das razões deste “julgamento pré-julgado” pode ser lida na complicada posição do governo norte-americano sobre o caso. No fim de semana anterior o Secretário de Estado John Kerry visitou o Cairo e reiterou a posição de Washington de que “não houve nenhum golpe de estado no Egito” (é difícil saber o que houve então).

Se Washington reconhecesse a existência de um golpe de estado, teria de suspender a ajuda militar ao Egito, coisa que o governo norte-americano não quer fazer, ainda mais neste momento em que as forças e as posições no Oriente Médio estão em reacomodação.  Por isso Kerry limitou-se a exortar os militares a “prosseguirem” no caminho do estabelecimento de uma democracia.

Fora do tribunal um forte aparato de repressão impedia qualquer manifestação de se aproximar da Academia de Polícia, onde ele está instalado. A situação tornou-se enrijecida. A chamada “primavera árabe” congelou no Egito, comprimida entre um governo intransigente da Irmandade Muçulmana, que recusou qualquer negociação com os partidos seculares, o Exército e o Judiciário, onde predominam ainda as forças do tempo de Mubarak, e a oposição liberal e de esquerda, que também não deu mostras de querer chegar a qualquer negociação com a Irmandade ou o próprio Morsi. Sinal deste desacordo completo é a impossibilidade, até o momento, de se chegar a uma nova Constituição para o país.

Perto dali, na Tunísia, berço das revoltas populares da região, a situação parece bordejar perigosamente o caso Egípcio. O partido muçulmano no poder, o Enaddha, e a oposição secular não conseguem chegar a um acordo sobre a formação de um novo governo.

Enquanto isto, forças de segurança e membros dos movimentos salafistas radicais trocam tiros pelo país: somente em outubro nove membros daquelas foram mortos em confrontos com estes, que também contaram com vítimas fatais. Se esta “primavera árabe” ficar espremida entre forças armadas e movimentos muçulmanos sectários, ela terá seu fim prematuramente decretado.